- Rubens Bonfim
YouTube Red acerta golpe certeiro
Pouca gente ouviu falar dele, mas o YouTube tem uma versão paga do serviço de hospedagem de vídeos. O YouTube Red (não confundir com o RedTube, dedicado à pornografia) permite ver qualquer conteúdo disponibilizado sem anúncios no começo ou no meio dos vídeos, streaming de alta qualidade, opções de salvar vídeos offline e áudio do vídeo em segundo plano. Além disso, o YouTube Red oferece algumas produções exclusivas do serviço, tal como as produções originais da Netflix e Amazon Prime.

O que muita gente neste negócio já notou é que conteúdo, acima de qualquer outra característica, é o que conta para atrair o público. E bom conteúdo está disputado à tapa. E produzir também não é fácil nem barato. A Netflix, por exemplo, tem bilhões de dólares empacados. Já o YouTube Red tem ali umas três dezenas de séries e filmes e aparentemente ninguém se importa com elas. Mas uma única série original da plataforma, chamada Cobra Kai, de repente se tornou um fenômeno de público, crítica e de nostalgia desenfreada.
Se você, assim como eu, está na faixa dos 40 anos, vai lembrar o sucesso que foi o filme Karatê Kid (1984) que mostrava a saga do garoto magrelo e de voz esganiçada chamado Daniel LaRusso (ou Daniel-san, para os íntimos), que começa a aprender karatê com um velho e boa praça japonês para poder se livrar dos caras que sacaneavam ele na escola e que também treinavam karatê no famigerado “dojo” chamado Cobra Kai, cujo lema era “Ataque primeiro, ataque forte, sem misericórdia”. O velhinho japonês, o senhor Miyagi, ensina karatê para o jovem indisciplinado usando os métodos mais estranhos, como pintar uma cerca ou polir carros com cera. No fim dá certo e Daniel vence o torneio de karatê contra a academia do mal, que tem como seu principal aluno o loirinho rico e malvado, Johnny Lawrence, que luta sujo e termina o torneio levando o famoso chute da garça (se você não conhece esse chute, google it) bem na cara.
Apesar de ter tido três continuações, a série Karate Kid nunca alcançou o mesmo sucesso do seu original, que teve inclusive a indicação de Pat Morita (Miyagi) para Oscar de ator coadjuvante. Ainda houve um remake, produzido sob medida por Will Smith para colocar seu filho, Jaden, como o novo Karatê Kid, que na verdade lutava kung fu e tinha como o tutor o grande Jackie Chan.
Apesar do relativo sucesso do remake, o Karate Kid original continuava vivendo no coração dos fãs. Em algum momento da década passada, começou a circular uma desconstrução da narrativa do filme original, que colocava Daniel não como vítima e depois herói, mas como um moleque folgado, indisciplinado e que criava as próprias confusões em que acabava apanhando de gente que estava só tocando a sua vida, como o jovem Johnny. Coincidência ou não, a tese apareceu na série How I Met Your Mother, incluindo as participações de Macchio e Zabka em alguns episódios. E em grande medida, a nova série, passada 34 anos depois do filme original, compra essa ideia. Na verdade, a série do YouTube começa quase exatamente no final de Karate Kid de 1984. Com Johnny levando um chute na cara e caído no chão. Aí ele “acorda” em 2018 e descobrimos que ele virou um operário, dirige o mesmo carro que tinha há 30 anos e vive num apartamento que lembra muito um chiqueiro. Mas tal qual aconteceu com Daniel e Miyagi, Johnny acaba salvando a pele do adolescente Miguel Diaz de um grupo de garotos e começa aí uma atrapalhada relação de mestre e pupilo, incluindo a reabertura do politicamente incorreto “dojo” Cobra Kai. Obviamente, Daniel LaRusso, agora um empresário destacado da comunidade, não fica satisfeito em ver seus antigos algozes de volta ao pedaço. Daí em diante os caminhos de Daniel e Johnny passam a se cruzar cada vez mais, em uma grande jornada de descobertas pessoais.
Mesmo com essa premissa simples, embalada numa overdose de nostalgia dos anos 80 por meio de músicas e filmes que aparecem de forma a construir momentos importantes na trama, a série está sendo um sucesso de crítica e de público. No Rotten Tomatoes, o programa tem nota 100%, o que quer dizer que todas as críticas registradas foram positivas. A nota do público também é generosa: 96%. Já os números da audiência são bem expressivos. O primeiro capítulo teve mais de 20 milhões de visualizações na primeira semana. São números altos comparados com qualquer produto de mídia hoje. O final da última temporada de Game of Thrones teve “apenas” 12 milhões de espectadores no dia da exibição. E apesar das principais plataformas de VOD não divulgarem seus números de audiência, Cobra Kai ficou na frente de qualquer outra série na repercussão nas mídias sociais.
Mas como foi colocado lá em cima, o YouTube Red não está disponível no Brasil enquanto pacote de serviços. Mas os dois primeiros episódios estão abertos para assistir no próprio YouTube e os outros oito capítulos podem ser comprados por meio de uma conta do Google Play, a mesma que os usuários usam para comprar aplicativos.
Rubens Bonfim é jornalista, colaborador da Se7e Cultura, trabalha com TI e escreve sobre vida digital no blog https://vivendoseculo21.wordpress.com