- André Campos
Lula e o Mecanismo
As balas que atingiram o ônibus da caravana de Lula são injustificáveis pra minha sensibilidade democrática, esta frescura pequeno-burguesa que me define.
Por favor, não repitam a suprema tolice: “O ex-presidente colheu o que plantou”. Putz!

Defender a liberdade apenas pros amigos é paquerar o pensamento totalitário.
Numa sociedade aberta, a caravana-provocação de um ficha-suja é livre – goste-se ou não dela.De novo: a provocação é livre.
Enquanto Lula não for legalmente preso, a Constituição garante o direito dele de ir e vir.
Tiro, porrada e bomba indicam sempre atraso. As democracias são, em essência, arranjos políticos pra mediar disputas de poder sem violência física.
A fé em soluções pacíficas pra conflitos é, exatamente, a realidade intersubjetiva a ser compartilhada por cidadãos.
A cidadania, portanto, é resultado de um processo capaz de domar nossos instintos tribais, por mais excitantes que eles nos pareçam.
Regida pelo conceito de pluralidade, a cultura democrática assume os conflitos humanos como parte da vida. E procura sublimá-los em diálogos limitados pelas leis.
Quem disparou na caravana de Lula alvejou a liberdade. Criminoso aí é – antes de mais nada – o atirador. Idiotas assim acabam por assassinar a democracia.
A idiotice antidemocrática se reproduz em ambientes onde a certeza mata a dúvida. Onde a deusa Liberdade é profanada. Onde a crítica está interditada. Onde a imaginação, a ficção e a criação são censuradas.
Por isso tudo, me parece também pouco inteligente cancelar a assinatura do Netflix por causa de O Mecanismo, de José Padilha.
A série sobre a Lava-Jato é bem meia-boca. Nota 5. É só uma entre centenas.
A reação emocional dos mortadelas é um tiro pela culatra. Acaba por alavancar a produção muito além de seus méritos audiovisuais ou narrativos.
Depois não adianta chorar sobre o leite derramado de uma hegemonia coxa ou da escalada eleitoral de Bolsonaro.
André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura nas horas vagas