- Marcelo Araújo
Sob o sol de Judá
Nos meus 47 anos de vida, 36 destes vivendo em Brasília, tive poucas oportunidades de visitar locais com uma seca mais forte do que na capital do país. Em 2017, o calor e a baixa umidade vieram com tudo, castigando os moradores do Planalto Central. Haja água, toalha molhada, hidratante e umidificador.

Foto: Divulgação
Em 2008, passei quase três semanas em Israel, em um curso a convite de seu governo. Fiquei a maior parte do tempo em Haifa, uma cidade litorânea, porém consegui visitar outros lugares, como a milenar Jerusalém, Nazaré, a região da Galileia, Cafarnaum, o Mar Morto e o deserto de Neguev.
Israel é fantástico. Recomendo. Parece um país da Europa situado no Oriente Médio, dado seu alto grau de desenvolvimento. Há muitas opções de turismo histórico, cultural e de lazer, com pubs e restaurantes para todos os lados. Do ponto de vista climático, chamou-me a atenção o fato dessa área apresentar níveis muito reduzidos de umidade, lembrando Brasília, e altas temperaturas, o que me recordou minha terra natal, Rio de Janeiro.
Justamente por conta de certas semelhanças naturais, um amigo meu que tinha fixação por imagens bíblicas gostava de comparar Brasília com a região israelense e suas adjacências nos tempos dos ancestrais hebreus. Em meio ao céu sem uma nuvem, ao calorão e à estiagem, ele dizia que a capital do país deveria ser rebatizada de República de Judá, em uma citação a uma das 12 tribos israelitas.
Quando esse camarada queria dizer que o tempo estava difícil de suportar apelava para nomes de figuras do Antigo e Novo Testamento para expressar suas impressões climáticas. “Cara, e esse sol de Jafé! E esse calor de Josafá!”, falava. Ele chegou a produzir uma camiseta com a inscrição Cafarnaum is not Dead (Cafarnaum não Está Morto), em uma alusão à canção Punk’s not Dead (O Punk não Está Morto), da banda britânica Exploited.
Este ano, Brasília está mais quente e seca do que nunca. Aliás, chove cada vez menos. Gosto desta cidade, mas fica difícil se acostumar a uma estação tão árida. A garganta dói, o nariz sangra, a pele resseca, a respiração ofega e até dormir torna-se uma tarefa difícil. Depois de mais de quatro meses sem cair uma gota do céu, o serviço de meteorologia anunciava a vinda de temporais e pedia cautela à população. Ao invés de um dilúvio, tivemos apenas dois dias de uma chuvinha fraca que não conseguiu nem esverdear a grama cinzenta.
Claro que parte da região Centro-Oeste é naturalmente mais seca do que outros biomas brasileiros, porém fica claro que a devastação da natureza por essas bandas piorou a situação. Com a complacência das autoridades, o Cerrado está sendo destruído impiedosamente pela especulação imobiliária e pela agricultura e pecuária predatórias. Não respeitam nada e só pensam em dinheiro. Onde antes existia verde agora proliferam condomínios, edifícios residenciais e comerciais. O concreto nos sufoca. E o pouco que sobrou parece que não vai durar muito, já que áreas de preservação ambiental têm sua destinação constantemente alterada para ceder espaço à ganância do mercado. Mais prédios, carros, lixões a céu aberto, esgotos vomitando dejetos no meio ambiente, escassez de água, calor e seca. Nesse rumo, vamos deixar um imenso deserto para as futuras gerações. Aguardem.
Marcelo Araújo é jornalista, escritor e colaborador da Se7e. Autor do blog www.tijoloblog.wordpress.com. Publicou os livros Não Abra – Contos de Terror, Pedaço Malpassado, A Maldição de Fio Vilela, A Testinha de Gabá e Casa dos Sons.