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  • André Campos

Que o novo Chico Buarque nos resgate...


...desta seca dos diabos pra gente dançar na chuva ao som dos Tribalistas

Desafios profissionais me levaram a viver os últimos cem dias fora do DF. Volto pra casa com a seca no seu momento bipolar de beleza estonteante e feiura sufocante.

Já fui calango asanortino. Hoje me junto aos fracos na dança da chuva, que tarda, mas não falha.

Meu setembro fonográfico começa sem nuvens e sol inclemente, sob o impacto de dois superlançamentos, que – aposto – têm tudo pra fazer chover. O novo trabalho de Chico Buarque e o reecontro do trio tribalista quinze anos depois do hype de 2002.

Foto: Divulgação

Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, os Tribalistas, retornam agora com aquela mesma pegada pop que marcou a Geração 00.

Tendem assim a agradar desde a vovó e o vovô ao neto tatuado de academia e à neta riponga de shopping.

Serão todos fisgados pelas canções fáceis e pelos trocadilhos descomplicados encaixadinhos nas prosódias redondas.

Traduzindo: Tribalistas significa barulhinho bom pra ouvir em família, namorando, no churrascão, na resenha, de boa com a galera, de férias na praia.

A molecada indie – do metal ao emo – deve até ouvir os Tribalistas e ficar balançada aqui e ali com alguns achados espertos, principalmente de Arnaldo.

Entre os moderninhos, porém, aposto em audições solitárias no breu do quarto seguidas de negações e juras mortais. Como eu mesmo faria lá nos cafundós dos anos 1980.

Fica assim, ó. Marisa, Arnaldo e Brown se divertem e divertem pacas, numa entrega musical que pode ser resumida numa palavra: diversão.

Me diverti em especial com a faixa Um Só. Minha cabeça que tudo conecta à política levou a ver na música uma crítica gostosa e despretensiosa tanto ao conceito-fetiche de luta de classe quanto ao elitismo cafona, dois traços do atraso social brasileiro. Curti.

Foto: Divulgação

Caravanas, o novo Chico, emociona e deixa clara a dimensão artística do filho mais famoso de Sérgio Buarque de Holanda e dona Maria Amélia.

Ouvi as dez músicas com um choro engasgado, olhos marejados e tomado por um sentimentalismo romântico completamente fora de moda.

Essa instabilidade emocional me tomou já no fim de Tua Cantiga, a faixa de abertura, ao ouvir Chico cantar: “E quando nosso tempo passar/ Quando eu não estiver mais aqui/ Lembra-te, minha nega/ desta cantiga que fiz pra ti”.

O tom de despedida mexeu comigo. Confesso que ainda não estou preparado pra viver num Brasil sem Chico. Mas este senhor já conta 73 anos. Entendi que a despedida, de alguma maneira, começou. Foda demais.

Bacana ver o vovô Chico cantar com os netos, homenagear mulheres desafiando a gravidade, arriscar um castelhano, defender temas polêmicos sem sangue na boca.

Afora o imponderável, Caravanas será o disco (ainda se fala assim?) do ano.

Tenho pena de quem não conhece a música brasileira e não vai compartilhar essa maravilha.

Delícia ver a língua portuguesa a serviço de um produto cultural tão sublime.

Faz um favor aí: tira um tempinho, esquece os problemas e ouve o novo Chico. Pode ser?

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura


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