- Marcelo Araújo
Debaixo dos cobogós dos seus cabelos
Moro num prédio em Brasília com quase 60 anos de construção. Esses edifícios, que datam da época da inauguração da capital do país, recebem o nome de JK, em uma referência a Juscelino Kubitschek, presidente que comandou a empreitada no Planalto Central.
Um dos atrativos deste e de outros tipos de edificações da cidade são os chamados cobogós. Você sabe o que é um cobogó? Trata-se de furos feitos nos tijolos ou no concreto que formam um conjunto de figuras geométricas como quadrados, retângulos e losangos nas paredes, visualizados tanto por quem está na rua quanto dentro do imóvel.

Inspirados em formas da arquitetura árabe, os cobogós surgiram no final dos anos 20, em Recife. Esta palavra curiosa vem da junção de iniciais dos sobrenomes de seus três criadores: o português Amadeu Oliveira Coimbra (Co), o alemão Ernst August Boeckmann (Bo) e o brasileiro Antônio de Góes (Go). Os três moravam na capital pernambucana quando idealizaram a inovadora figura.
A intenção ao se desenvolver o cogobó foi amenizar o calor provocado pelas altas temperaturas do Nordeste. Ao produzirem a solução, Coimbra, Boeckmann e Góes foram pioneiros na utilização de importantes elementos de sustentabilidade em prol do bem-estar e da economia energética, como o aproveitamento da ventilação e da iluminação naturais, modelo comum nos projetos arquitetônicos contemporâneos.
Ainda que tenham se espalhado pelo país, parece que em Brasília os cobogós se tornaram mais populares, se destacando tanto nos chamados blocos quanto nas casas como um dos símbolos charmosos da arquitetura modernista. Também viraram objetos decorativos em cozinhas americanas, peças artesanais, tapetes, móveis, louças e utensílios.
Temos cá, na capital, até uma loja com o nome de Mercado Cobogó, que transforma esta simbologia num empreendedorismo. Um dos prédios públicos que utilizou tal simetria – pernambucana na origem e brasiliense por adoção – é a Biblioteca Nacional, localizada na Esplanada dos Ministérios. A exemplo dos demais edifícios, a presença dos cobogós na Biblioteca gera interessantes e sinuosos jogos de sombra. Pura arte.
Atendendo a uma sugestão do arquiteto que coordenou uma reforma em meu apartamento, há três anos, decidi derrubar a parede da sala que tapava os cobogós. Como resultado, ganhei uma bela obra de design em minha sala de estar, que ainda ampliou a circulação do vento e a luminosidade do ambiente.
O governo do Distrito Federal deveria promover uma campanha para valorizar os prédios com cobogós, patrimônio que equivale para uma cidade modernista como Brasília o mesmo que um casarão colonial para um município antigo. Por que não incentivar turistas a conhecerem essa maravilha? Frequentemente, vejo da janela de casa, pessoas, inclusive de outros países, fotografando esses quadradinhos.
A essa altura do campeonato, o leitor só deve estar se perguntando o que o texto que escrevi tem a ver com o título “Debaixo dos cobogós dos seus cabelos”? Nada. Já que pretendia falar dos cobogós, utilizei o trocadilho com a música de Roberto Carlos e Erasmo Carlos apenas para chamar sua atenção.
Kkkkkkkkkkk.
Até mais.
Marcelo Araújo é jornalista, escritor e colaborador da Se7e. Autor do blog www.tijoloblog.wordpress.com. Publicou os livros Não Abra – Contos de Terror, Pedaço Malpassado, A Maldição de Fio Vilela, A Testinha de Gabá e Casa dos Sons.