- André Campos
A zumbilândia é aqui

Foto: Divulgação (filme de Afonso Brazza com participação de Zé do Caixão)
Vivemos numa série de terror de Afonso Brazza
Se não fosse trágico, seria cômico. O ocaso da política brasileira parece ter confinado todos nós no set de filmagem de uma série de zumbis.
Walking Temer: taí minha sugestão de nome pra presepada.
Vem comigo. Acompanha.
Imagino uma produção bem regional com pegada de terror, mas no melhor estilo Afonso Brazza (ídolo total, se você não conhece ainda, corra atrás), com meus amigos se revezando no papel de mortos vivos.
Tudo filmado, mediunicamente, pelo bombeiro-diretor mais bacana da história do cinema nacional. No Gama – claro!
Pra abertura, projeto um clipe nervoso da música Bless This Acid House dos ingleses do Kasabian. Ouçam, por favor, pra entender.
Proponho um roteiro assinado pela grife Sérgio de Sá – jornalista, professor, crítico literário, lagossulino e o mais belo par de olhos azuis desta cidade.
A produção executiva seria minha mesmo. Pouparia terceiros do fracasso certo.
Enquanto escrevo, me perco em pensamentos: quando é que comecei a delirar mesmo? Por que me embrenhei nesse emaranhado de dúvidas? O que me fez ficar tão bundão?
Transparência, seu nome é André.
A bem da verdade, cresci entre néscios, com destaque pra mim mesmo. Alguns permanecem abestalhados até hoje.
Uma parte considerável dessa gente mansa morreu cedo. Uma pena. A seleção natural é cruel.
Poucos deixaram alguma marca. Muitos acomodaram. A maioria engordou. Raros enfrentaram a sina da mediocridade e ousaram fazer a diferença.
Em quaisquer dessas encarnações, estamos aí. Estamos ali. Estamos acolá. No além. Até em Nova York e Paris há exemplares.
Estamos em toda parte. Como uma praga candanga. Uma peste do cerrado. Uma maldição do Planalto Central.
O fato é que na segunda metade da década de 80 vivíamos no distante Distrito Federal e tínhamos a ilusão de que Brasília ficava mais próxima de Londres do que de Goiânia.
Assumi lá em cima, lê lá: éramos uns idiotas.
Éramos ainda mais imbecis ali no final da Asa Norte, quase Sobradinho Sul, por onde eu circulava em busca de confusão e de uma alma gêmea pra acasalar.
(Acabei casando com a garota da Asa Sul. Mas isso é outra história.)
Muito tempo depois, já adultos, vislumbraríamos na capital de Goiás a Las Vegas brasileira.
O tempo nos fez ver o quão pequeno é o nosso quadradinho perto da riqueza cultural do estado que nos abriga. Somos todos goianos.
Voltando. No inverno frio de 85, entre porres colossais e aventuras aniquiladoras de neurônios, descobrimos ter chegado atrasado à festa colorida da new wave brasileira.
Os jovens brasilienses bem posicionados no Rock Brasil – os porta-vozes da Geração Coca-Cola – já haviam se mandado pro Rio e pra São Paulo enquanto a pirralhada da Geração Baré-Cola chocava seu ovo da serpente. Eu pertencia ao segundo grupo.
Pra nós, já não havia ditadura no horizonte. Sarney causava mais sono que ódio. Intelectuais eram “aqueles chatos reprimidos de pênis minúsculos”.
Preferíamos rir a protestar. Nossas vidas giravam em torno de toca-discos ou toca-fitas.
Tudo fazia sentido quando rolava Ramones, Sex Pistols ou Dead Kennedys. Robert Smith nos trazia a cura (com exceção da aids). Morrissey era nosso Che – corajoso, ousado e disruptivo.
Chrissie Hynde, nossa Rosa Luxemburgo, cantava a revolução no meio da estrada da nossa loucura. Ian McCulloch, nosso papa Francisco, iluminava nossas angústias com a sua lua matadora.
Sempre que o tempo fechava, a gente ensolarava tudo com B-52’s.
Trocáramos o Paz & Amor dos ripongas tardios pelo Sexo & Violência (de mentirinha) do The Exploited e o priapismo do Punk’s Not Dead.
E quem era a gente?
Uma malta de filhos rebeldes (sem causa?) de servidores públicos vindos de várias partes do país. Adoradores da periferia no seio da classe média.
Um bando de adolescentes viciados em literatura e sexo solitário. Seres (sobre)vivendo em ficção.
Apaixonados por música pop, loucos por diversão barata e sedentos por informação numa época pós-desbunde, inoculada pelo HIV, sem internet e com o Brasil fechado pro mundo.
Posávamos de pós-modernos na realidade pré-moderna do Centro-Oeste brasileiro.
Defendíamos a liberação das drogas (todas), o casamento gay (na igreja), a descriminação do aborto (até a décima segunda semana de gravidez) e a prisão dos racistas (perpétua) – mas eu queria mesmo era namorar as meninas, militar no PT e mudar pra Cuba.
Ah, votamos todos no Lula em 89. Deu Collor. A choradeira foi grande.
Hoje brincamos de nos dividir. Uns, mortadelas. Outros, coxas. Tudo bem idiota. Bem boboca. Bem ridículo.
Agora o cenário de Walking Temer nos dá a possibilidade de nos unir outra vez.
Porém, zumbis intransigentes, corremos o risco de insistir em vagar pelas esquinas do Plano Piloto em busca de carne humana ou de ser flagrados no Beirute da Sul nos deliciando com um cálice de sangue geladinho.
É torcer pra que o recém-lançado macumbão moderno de Amora Pêra, filha do Gonzaguinha e da “frenética” Sandra Pêra, consiga o milagre de nos reviver.
Proponho começar o ritual de exorcismo pela faixa Belong. Fui.
André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura