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  • André Campos

Pós-Temer: Brasília calling


Diretas já com reformas já, a combinação para sair da crise

Foto: Mauro Vieira

Não tá fácil pra ninguém. Dá um medo danado. Procuro refúgio no meu carro. Ar no dezesseis. Cadê o som, cacete. Sufoco da porra! Este silêncio todo me atordoa.

Em chamas, Brasília clama: deu! Vaza!

Esquece The Clash, vai. Era perfeito diante deste bafafá, eu sei. Mas põe algo nacional. Em bom português, please.

Encontrei aqui, ufa, na lista sete, número dos caminhos da fé. Faixa um. Música: Flores Astrais. “Um verme passeia na lua cheia.” Canta Ney Matogrosso. Secos & Molhados, segundo elepê, 1974.

Opa! Surge um fio de esperança. Na próxima terça-feira, 30, finalmente teremos acesso à quinta temporada de House of Cards.

Nadica de nada. A série do Netflix é fichinha perto da realidade esfumaçada dos ministérios incendiados na Esplanada.

Mundo doido, meu Deus. Imagino estar parado. Ameaço permanecer imóvel. Na proteção do meu Honda, não sigo e nem vou. Será pânico? Cagaço? Vou ter grana pra pagar o IPVA?

Quando a cantora norte-americana Ariana Grande nasceu, em 1993, o Brasil era governado por um vice-presidente alçado ao posto máximo do Planalto por um impeachment de seu chefe.

O acidental Itamar Franco, um nacionalista à moda antiga, era moderno como um fusca, conservador à mineira e reformista de ocasião. A imprensa paulista se referia a seu governo como República do Pão de Queijo.

Nos anos 1990, o “Consenso de Washington”, como então definíamos todo mal, buscava um São Jorge verde e amarelo para aniquilar o dragão da hiperinflação.

Deu FHC (e a turma da economia da PUC-Rio) na cabeça.

O real até domou o bicho, mas sem matá-lo, porque o cuspidor de fogo faz parte do jogo do mercado.

Agora que Ariana Grande é uma mega-artista pop, com show em Manchester alvo de um atentado terrorista nojento, nós estamos aqui atônitos, submersos nas incertezas do pós-Temer.

O drive é da mudança desde que o esculacho da “nova matriz econômica” de Dilma nos pôs nesta situação caótica.

Eleição direta seria o mais bacana, mas não o mais legal. Pelo menos por enquanto.

Infelizmente. Justifico-me: sucumbir ao casuísmo seria acreditar que dois erros fariam um acerto. Não fazem, nem jamais fizeram.

Tudo bem todo esse cuidado com a legalidade, me diz você, dando pinta de sua impaciência revolucionária. Hora do rivotril, estressadinh@.

Contudo até os patos do laguinho do Parque da Cidade sabem que no Congresso, quando os caciques querem, eles fazem chover sem precisar dos serviços da Fundação Cobra Coral. Concordo.

Só que há uma aprovação de PEC no meio do caminho pra parada ficar legal. E aí, não é mole não. Falta vontade às criaturas de terno e gravata que comandam o Legislativo.

Eu, que ando de jeans e de tênis, apoio sim as diretas já. Acho pouco, aliás.

Também desejo reformas já. Sou um liberal guloso. Quero as duas coisas. Não abro mão de ambas. Vejo tudo junto e misturado.

Sem dogma. Sem amarras. Sem lenço. Sem documento. Sem mortadelices. Sem coxices.

Sem as reformas (previdenciária, trabalhista, tributária e política), os investimentos não destravam, o crescimento não volta, a desigualdade aumenta.

Na macroeconomia, aprendi já adulto, um mais um dá dois. Sempre. Lutar contra a matemática beira o ridículo. Até pros artistas que insistem em emular Raulzito, tomando até hoje banho de chapéu.

O fato é que, ao permanecer chapados ideologicamente, promovemos um jogo de perde-perde. Ricos perdem pouco. A minha classe média perde muito. Os pobres perdem tudo. E a cultura vai pro brejo.

Estamos mal na foto da quarta revolução industrial, que avança à revelia de nós, brasileiras e brasileiros. Não adianta procurar inimigos externos. Nem sequer se esconder na balela datada da luta de classes.

Somos uma nação de coveiros que cavam vorazmente as próprias covas neste momento de transição.

Estamos batendo cabeça no altar do atraso. E perdendo um tempo precioso em brigas mesquinhas que separam próximos, colegas, amigos e parentes.

O fracasso não é nosso destino...

Deixa, portanto, eu sonhar. Bora – no limite da lei, como impõe a ordem democrática – tapar o rombo da crise, voltar pra superfície e caminhar em frente, se bronzeando sob o sol.

Vem, sem marra, pavimentar um amanhã melhor. Vamos usar o asfalto resistente da inteligência livre de ideologias babacas. Grita comigo: “Xô, baixo astral”. “Xô, patrulha.”

Termina, enfim, a canção dos Secos & Molhados.

Entra a dupla do Moloko. Sing It Back. Aumento o som. Alto. Bem alto. Balanço a cabeça. Depois a pança. Ensaio uma dancinha tímida. Constrangedora.

Sozinho, longe de testemunhas, boto o câmbio automático no D. Bora partir. Hit the road, André, and don't you come back no more, no more, no more, no more.

André Campos é jornalista e colaborador da Sete Cultura


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