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Lula e o Mecanismo

As balas que atingiram o ônibus da caravana de Lula são injustificáveis pra minha sensibilidade democrática, esta frescura pequeno-burguesa que me define.

 

Por favor, não repitam a suprema tolice: “O ex-presidente colheu o que plantou”. Putz!

 

Defender a liberdade apenas pros amigos é paquerar o pensamento totalitário.

 

Numa sociedade aberta, a caravana-provocação de um ficha-suja é livre – goste-se ou não dela.

 

De novo: a provocação é livre.

 

Enquanto Lula não for legalmente preso, a Constituição garante o direito dele de ir e vir.

 

Tiro, porrada e bomba indicam sempre atraso. As democracias são, em essência, arranjos políticos pra mediar disputas de poder sem violência física.

 

A fé em soluções pacíficas pra conflitos é, exatamente, a realidade intersubjetiva a ser compartilhada por cidadãos.

 

A cidadania, portanto, é resultado de um processo capaz de domar nossos instintos tribais, por mais excitantes que eles nos pareçam.

 

Regida pelo conceito de pluralidade, a cultura democrática assume os conflitos humanos como parte da vida. E procura sublimá-los em diálogos limitados pelas leis.

Foto: divulgação

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

O indivíduo é um dogma

Somos contraditórios. Em sociedade, porém, recomenda-se camuflar conflitos internos.
 
Põe aí a máscara de fodão rapidinho, camarada, senão dá ruim.
 
Os mercadores de certeza – da política, da cultura, das famílias – nos guiam atropelando consensos básicos da neurociência.
 
Nossos líderes escondem ou ignoram que o chamado indivíduo é um conceito questionável. Tão frágil quanto categorias como coletivo ou bem comum.
 
Somos indivíduos contraditórios porque somos sempre muitos – e diversos desses muitos até inconscientes.
 
O fato é que nossos cérebros, segundo pesquisas de ponta, impõem a todos nós uma convivência tensa entre, pelo menos, um eu-que-vive e um eu-que-narra.
 
Na marra, nossos timoneiros escondem que percepções múltiplas nos fazem humanos.
 
No lugar de estimular a dúvida que forja o conhecimento, nossos vitoriosos vendem no exercício do poder verdades únicas industrializadas em narrativas sustentadas por certezas divinas.
 
Somos um povo governado por quem escolheu viver de tabus porque a sabedoria parece um estrangeirismo, uma ideia fora do lugar, um esnobismo.
 
Resultado: vivemos uma democracia malandra, na qual a pluralidade está asfixiada, o novo repete o velho e a banalidade do mal generalizou-se.
 
Oxalá as águas de março deste ano eleitoral lavem a nossa alma brasileira que, felizmente, insiste em ser mais alegre do que triste.

Foto: divulgação

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

Intervenção no Rio: só sei que nada sei

A intervenção no Rio é um daqueles trecos que deixam a gente mais confuso do que convicto. 

 

Ainda mais se você possui uma história pessoal que passa pela Vila Isabel de Martinho e Noel.

 

Muito difícil acreditar que um general de quatro estrelas com  Michel Temer ao telefone representa uma mudança auspiciosa no cenário de guerra fluminense.

 

Mas dava pra esperar?

 

Realmente fico sem resposta pra essa pergunta. E sei que dependendo do interlocutor, vou me deparar com posições conflitantes.

 

Depois do fracasso anunciado da reforma da Previdência, a opção sensata era o governo federal ficar paradão, sangrando rumo ao traço nas pesquisas de opinião?

 

Como seria a eleição de 2018 no Rio com esse clima de barata-voa, de esculacho geral?

 

Não sei. Posso argumentar que não dava pra esperar. Dou conta de defender uma posição crítica, de que seria melhor fazer algo mais inteligente. 

 

Não consigo, porém, cravar nada peremptoriamente.

 

Sou um isentão, mortadela pra coxas, coxa pra mortadelas, atormentado pela total ausência de certezas.

 

Invejo a convicção de alguns amigos mais estudados. Cheios de verdades, já   sacramentam — sem piscar — o fracasso da intervenção. Desastrosa, resumem.

 

Indago, então: o que fazer no curto prazo senão a intervenção? Fico sem resposta.

 

A volúpia intelectual por detestar “tudo que está aí” abafa minha pergunta.

 

Sobra a sensação de que a turma cabeça, com raras exceções, se importa menos com a ação do que com a desconstrução.

 

O imobilismo é, de fato, uma tradição consolidada do pensamento crítico brasileiro enraizado nas universidades federais, mas com desdobramento nas mais diversas burocracias.

 

Muitos doutores que conheço e admiro sabem claramente o que não querem, desmontam com apuro todas as iniciativas ideologicamente desalinhadas e sempre apontam interesses ilegítimos por parte de quem discorda deles.

 

O Brasil é pródigo em acadêmicos moralistas. O problema mais evidente é que esta preocupação com o correto só vai num sentido. Não é algo geral, de estatuto universal.

 

Fica a impressão de que o pau que bate em Chico não deve bater no Francisco ao analisar o posicionamento da nossa elite pensante.

 

E isso só aumenta a incerteza da gente comum.

Foto: divulgação

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

Aventuras num spa

Onde buscar ajuda quando na hidroginástica o casal de novos amigos decide se revelar

 

 

Com dez dias de atraso, sento pra digitar esta coluna on the road. Combinei com a minha editora, Michelle Maia, que escreveria algo sobre a viagem de carro pelo litoral de três estados que faço na companhia do meu filho Gabriel entre setembro e outubro.

 

Aqui, então, com um pedido de desculpas, o capítulo 1: “Emagrecendo”.

 

A fome impunha ao meu corpo flácido e à minha alma o pecado capital da desídia, mal famoso entre nós como a popular preguiça.

 

Na piscina aquecida, quentinha, eu figurava completamente retardado, tentando – de maneira madura, adulta e higiênica – não fazer xixi no espaço coletivo.

 

Sei lá por que a agonia de estar ali, apertado pra caramba, me levou a enumerar em silêncio versões erradas de palavras que não conseguia mais falar corretamente na intimidade.

 

Convido o leitor a repetir comigo aqui no mocó: “pobrema”, “escroteiro” (nada contra o escotismo, eu mesmo fui “bobinho”, quer dizer, lobinho), “menas”, “bródi”, “véi” e, claro, “micoginástica”.

 

Eu ia no embalo desse mantra analfabético quando a professora loira, má e rechonchuda de hidroginástica aumentou a música ruim.

 

Todo rigor físico da austera ariana se projetava na minha cabeça torturada sob a forma sinistra da frase do portão principal de Auschwitz: Arbeit macht frei (O trabalho liberta).

 

Abatido, parti em busca de companhia. Puxei conversa com meu neocolega de spa (de piscina e, diria, de campo de concentração), um jovem senhor na casa dos 40 anos recém-completados.

 

Papo vem, papo vai, o distinto camarada anunciou com a naturalidade de quem chupava manga num pé da Asa Norte: “Vou votar no Bolsonaro pra presidente no ano que vem”.

 

Ato contínuo, a esposa dele, uma morena brejeira de menos de 30 anos, com a maior pinta de backing vocal do Leonard Cohen, abria um sorriso de propaganda de margarina e manifestava cumplicidade felizona.

 

A respeitável senhorinha fazia também questão de publicitar – entre um exercício aquático ridículo e outro – sua paixão política: “Esse aí, o Bolsonaro, tem meu voto, com certeza, em 2018”.

 

Saí da piscina tonto, voltei pro meu quarto e pras minhas leituras. Febril, passei a procurar, então, uma justificativa fenomenológica (ops!) pra entender o provocante casal que acabara de conhecer.

 

Uma dupla que a sincronicidade pôs tão perto de mim e a sensibilidade democrática tão longe do meu mundo.

 

A escritora norte-americana Jennifer Egan, em A Visita Cruel do Tempo, romance arrojado e laureado com o Pulitzer de ficção em 2011, generosamente me ofereceu de bandeja uma chave pra desvendar a “hidroexperiência” que sofri.

 

Eu, André Campos, “senti entre os dois (o neocolega e sua mulher) uma compreensão demasiado profunda para ser articulada: a consciência indizível de que tudo está perdido”. Será?

 

Resultado de toda essa minha loucura chamada spa: em dez dias, dois quilos e meio mais magro.

 

Não tenho e nem quero ter um milhão de amigos. Mas ganhei mais dois.

 

Ah, eu e Gabriel estamos agora rumo à praia. Prometo contar tudo. Tchau.

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

Que o novo Chico Buarque nos resgate...  

...desta seca dos diabos pra gente dançar na chuva ao som dos Tribalistas  

Desafios profissionais me levaram a viver os últimos cem dias fora do DF. Volto pra casa com a seca no seu momento bipolar de beleza estonteante e feiura sufocante.

 

Já fui calango asanortino. Hoje me junto aos fracos na dança da chuva, que tarda, mas não falha.

 

Meu setembro fonográfico começa sem nuvens e sol inclemente, sob o impacto de dois superlançamentos, que – aposto – têm tudo pra fazer chover.  O novo trabalho de Chico Buarque e o reecontro do trio tribalista quinze anos depois do hype de 2002.

 

Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown, os Tribalistas, retornam agora com aquela mesma pegada pop que marcou a Geração 00. 

 

Tendem assim a agradar desde a vovó e o vovô ao neto tatuado de academia e à neta riponga de shopping.

 

Serão todos fisgados pelas canções fáceis e pelos trocadilhos descomplicados encaixadinhos nas prosódias redondas.

 

Traduzindo: Tribalistas significa barulhinho bom pra ouvir em família, namorando, no churrascão, na resenha, de boa com a galera, de férias na praia.

 

A molecada indie – do metal ao emo – deve até ouvir os Tribalistas e ficar balançada aqui e ali com alguns achados espertos, principalmente de Arnaldo.

 

Entre os moderninhos, porém, aposto em audições solitárias no breu do quarto seguidas de negações e juras mortais.  Como eu mesmo faria lá nos cafundós dos anos 1980.

 

Fica assim, ó. Marisa, Arnaldo e Brown se divertem e divertem pacas, numa entrega musical que pode ser resumida numa palavra: diversão.

 

Me diverti em especial com a faixa Um Só. Minha cabeça que tudo conecta à política levou a ver na música uma crítica gostosa e despretensiosa tanto ao conceito-fetiche de luta de classe quanto ao elitismo cafona, dois traços do atraso social brasileiro. Curti.

 

Caravanas, o novo Chico, emociona e deixa clara a dimensão artística do filho mais famoso de Sérgio Buarque de Holanda e dona Maria Amélia.

 

Ouvi as dez músicas com um choro engasgado, olhos marejados e tomado por um sentimentalismo romântico completamente fora de moda.

 

Essa instabilidade emocional me tomou já no fim de Tua Cantiga, a faixa de abertura, ao ouvir Chico cantar: “E quando nosso tempo passar/ Quando eu não estiver mais aqui/ Lembra-te, minha nega/ desta cantiga que fiz pra ti”.

 

O tom de despedida mexeu comigo. Confesso que ainda não estou preparado pra viver num Brasil sem Chico. Mas este senhor já conta 73 anos. Entendi que a despedida, de alguma maneira, começou. Foda demais.

 

Bacana ver o vovô Chico cantar com os netos, homenagear mulheres desafiando a gravidade, arriscar um castelhano, defender temas polêmicos sem sangue na boca.

 

Afora o imponderável, Caravanas será o disco (ainda se fala assim?) do ano.

 

Tenho pena de quem não conhece a música brasileira e não vai compartilhar essa maravilha.

 

Delícia ver a língua portuguesa a serviço de um produto cultural tão sublime.

 

Faz um favor aí: tira um tempinho, esquece os problemas e ouve o novo Chico. Pode ser?

Foto: Divulgação 

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

A zumbilândia é aqui

Vivemos numa série de terror de Afonso Brazza

 

Se não fosse trágico, seria cômico. O ocaso da política brasileira parece ter confinado todos nós no set de filmagem de uma série de zumbis.

 

Walking Temer: taí minha sugestão de nome pra presepada.  

Vem comigo. Acompanha.

 

Imagino uma produção bem regional com pegada de terror, mas no melhor estilo Afonso Brazza (ídolo total, se você não conhece ainda, corra atrás), com meus amigos se revezando no papel de mortos vivos.

 

Tudo filmado, mediunicamente, pelo bombeiro-diretor mais bacana da história do cinema nacional. No Gama – claro!

 

Pra abertura, projeto um clipe nervoso da música Bless This Acid House dos ingleses do Kasabian. Ouçam, por favor, pra entender.

 

Proponho um roteiro assinado pela grife Sérgio de Sá – jornalista, professor, crítico literário, lagossulino e o mais belo par de olhos azuis desta cidade.

 

A produção executiva seria minha mesmo. Pouparia terceiros do fracasso certo.

 

Enquanto escrevo, me perco em pensamentos: quando é que comecei a delirar mesmo? Por que me embrenhei nesse emaranhado de dúvidas? O que me fez ficar tão bundão?

 

Transparência, seu nome é André.

 

A bem da verdade, cresci entre néscios, com destaque pra mim mesmo. Alguns permanecem abestalhados até hoje.

 

Uma parte considerável dessa gente mansa morreu cedo. Uma pena. A seleção natural é cruel.

 

Poucos deixaram alguma marca. Muitos acomodaram. A maioria engordou. Raros enfrentaram a sina da mediocridade e ousaram fazer a diferença.

 

Em quaisquer dessas encarnações, estamos aí. Estamos ali. Estamos acolá. No além. Até em Nova York e Paris há exemplares.

 

Estamos em toda parte. Como uma praga candanga. Uma peste do cerrado. Uma maldição do Planalto Central.

 

O fato é que na segunda metade da década de 80 vivíamos no distante Distrito Federal e tínhamos a ilusão de que Brasília ficava mais próxima de Londres do que de Goiânia.

 

Assumi lá em cima, lê lá: éramos uns idiotas.

 

Éramos ainda mais imbecis ali no final da Asa Norte, quase Sobradinho Sul, por onde eu circulava em busca de confusão e de uma alma gêmea pra acasalar.

 

(Acabei casando com a garota da Asa Sul. Mas isso é outra história.)

 

Muito tempo depois, já adultos, vislumbraríamos na capital de Goiás a Las Vegas brasileira.

 

O tempo nos fez ver o quão pequeno é o nosso quadradinho perto da riqueza cultural do estado que nos abriga. Somos todos goianos.

 

Voltando. No inverno frio de 85, entre porres colossais e aventuras aniquiladoras de neurônios, descobrimos ter chegado atrasado à festa colorida da new wave brasileira.

 

Os jovens brasilienses bem posicionados no Rock Brasil – os porta-vozes da Geração Coca-Cola – já haviam se mandado pro Rio e pra São Paulo enquanto a pirralhada da Geração Baré-Cola chocava seu ovo da serpente. Eu pertencia ao segundo grupo.

 

Pra nós, já não havia ditadura no horizonte. Sarney causava mais sono que ódio. Intelectuais eram “aqueles chatos reprimidos de pênis minúsculos”.

 

Preferíamos rir a protestar. Nossas vidas giravam em torno de toca-discos ou toca-fitas.

 

Tudo fazia sentido quando rolava Ramones, Sex Pistols ou Dead Kennedys. Robert Smith nos trazia a cura (com exceção da aids). Morrissey era nosso Che – corajoso, ousado e disruptivo.

 

Chrissie Hynde, nossa Rosa Luxemburgo, cantava a revolução no meio da estrada da nossa loucura. Ian McCulloch, nosso papa Francisco, iluminava nossas angústias com a sua lua matadora.

 

Sempre que o tempo fechava, a gente ensolarava tudo com B-52’s.

 

Trocáramos o Paz & Amor dos ripongas tardios pelo Sexo & Violência (de mentirinha) do The Exploited e o priapismo do Punk’s Not Dead.

 

E quem era a gente?

 

Uma malta de filhos rebeldes (sem causa?) de servidores públicos vindos de várias partes do país. Adoradores da periferia no seio da classe média.

 

Um bando de adolescentes viciados em literatura e sexo solitário. Seres (sobre)vivendo em ficção.

 

Apaixonados por música pop, loucos por diversão barata e sedentos por informação numa época pós-desbunde, inoculada pelo HIV, sem internet e com o Brasil fechado pro mundo.

 

Posávamos de pós-modernos na realidade pré-moderna do Centro-Oeste brasileiro.

 

Defendíamos a liberação das drogas (todas), o casamento gay (na igreja), a descriminação do aborto (até a décima segunda semana de gravidez) e a prisão dos racistas (perpétua) – mas eu queria mesmo era namorar as meninas, militar no PT e mudar pra Cuba.

 

Ah, votamos todos no Lula em 89. Deu Collor. A choradeira foi grande.

 

Hoje brincamos de nos dividir. Uns, mortadelas. Outros, coxas. Tudo bem idiota. Bem boboca. Bem ridículo.

 

Agora o cenário de Walking Temer nos dá a possibilidade de nos unir outra vez.

 

Porém, zumbis intransigentes, corremos o risco de insistir em vagar pelas esquinas do Plano Piloto em busca de carne humana ou de ser flagrados no Beirute da Sul nos deliciando com um cálice de sangue geladinho.

 

É torcer pra que o recém-lançado macumbão moderno de Amora Pêra, filha do Gonzaguinha e da “frenética” Sandra Pêra, consiga o milagre de nos reviver.

 

Proponho começar o ritual de exorcismo pela faixa Belong. Fui.

Foto: Divulgação (Afonso Brazza dirigindo Zé do Caixão)

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

Pós-Temer: Brasília calling

Diretas já com reformas já, a combinação para sair da crise

 

Não tá fácil pra ninguém. Dá um medo danado. Procuro refúgio no meu carro. Ar no dezesseis.  Cadê o som, cacete. Sufoco da porra! Este silêncio todo me atordoa.

 

Em chamas, Brasília clama: deu! Vaza!

 

Esquece The Clash, vai. Era perfeito diante deste bafafá, eu sei. Mas põe algo nacional. Em bom português, please.

 

Encontrei aqui, ufa, na lista sete, número dos caminhos da fé. Faixa um. Música: Flores Astrais. “Um verme passeia na lua cheia.” Canta Ney Matogrosso. Secos & Molhados, segundo elepê, 1974.

 

Opa! Surge um fio de esperança. Na próxima terça-feira, 30, finalmente teremos acesso à quinta temporada de House of Cards.

 

Nadica de nada. A série do Netflix é fichinha perto da realidade esfumaçada dos ministérios incendiados na Esplanada.

 

Mundo doido, meu Deus. Imagino estar parado. Ameaço permanecer imóvel. Na proteção do meu Honda, não sigo e nem vou. Será pânico? Cagaço? Vou ter grana pra pagar o IPVA?

 

Quando a cantora norte-americana Ariana Grande nasceu, em 1993, o Brasil era governado por um vice-presidente alçado ao posto máximo do Planalto por um impeachment de seu chefe.

 

O acidental Itamar Franco, um nacionalista à moda antiga, era moderno como um fusca, conservador à mineira e reformista de ocasião. A imprensa paulista se referia a seu governo como República do Pão de Queijo.

 

Nos anos 1990, o “Consenso de Washington”, como então definíamos todo mal, buscava um São Jorge verde e amarelo para aniquilar o dragão da hiperinflação.

 

Deu FHC (e a turma da economia da PUC-Rio) na cabeça.

 

O real até domou o bicho, mas sem matá-lo, porque o cuspidor de fogo faz parte do jogo do mercado.

 

Agora que Ariana Grande é uma mega-artista pop, com show em Manchester alvo de um atentado terrorista nojento, nós estamos aqui atônitos, submersos nas incertezas do pós-Temer.

 

O drive é da mudança desde que o esculacho da “nova matriz econômica” de Dilma nos pôs nesta situação caótica.

 

Eleição direta seria o mais bacana, mas não o mais legal. Pelo menos por enquanto.

 

Infelizmente. Justifico-me: sucumbir ao casuísmo seria acreditar que dois erros fariam um acerto. Não fazem, nem jamais fizeram.

 

Tudo bem todo esse cuidado com a legalidade, me diz você, dando pinta de sua impaciência revolucionária. Hora do rivotril, estressadinh@.

 

Contudo até os patos do laguinho do Parque da Cidade sabem que no Congresso, quando os caciques querem, eles fazem chover sem precisar dos serviços da Fundação Cobra Coral. Concordo.

 

Só que há uma aprovação de PEC no meio do caminho pra parada ficar legal. E aí, não é mole não. Falta vontade às criaturas de terno e gravata que comandam o Legislativo.

 

Eu, que ando de jeans e de tênis, apoio sim as diretas já. Acho pouco, aliás.

 

Também desejo reformas já. Sou um liberal guloso. Quero as duas coisas. Não abro mão de ambas. Vejo tudo junto e misturado.

 

Sem dogma. Sem amarras. Sem lenço. Sem documento. Sem mortadelices. Sem coxices.

 

Sem as reformas (previdenciária, trabalhista, tributária e política), os investimentos não destravam, o crescimento não volta, a desigualdade aumenta.

 

Na macroeconomia, aprendi já adulto, um mais um dá dois. Sempre. Lutar contra a matemática beira o ridículo. Até pros artistas que insistem em emular Raulzito, tomando até hoje banho de chapéu.

 

O fato é que, ao permanecer chapados ideologicamente, promovemos um jogo de perde-perde. Ricos perdem pouco. A minha classe média perde muito. Os pobres perdem tudo. E a cultura vai pro brejo.

 

Estamos mal na foto da quarta revolução industrial, que avança à revelia de nós, brasileiras e brasileiros. Não adianta procurar inimigos externos. Nem sequer se esconder na balela datada da luta de classes.

 

Somos uma nação de coveiros que cavam vorazmente as próprias covas neste momento de transição.

 

Estamos batendo cabeça no altar do atraso. E perdendo um tempo precioso em brigas mesquinhas que separam próximos, colegas, amigos e parentes.

 

O fracasso não é nosso destino...

 

Deixa, portanto, eu sonhar. Bora – no limite da lei, como impõe a ordem democrática – tapar o rombo da crise, voltar pra superfície e caminhar em frente, se bronzeando sob o sol.

 

Vem, sem marra, pavimentar um amanhã melhor.  Vamos usar o asfalto resistente da inteligência livre de ideologias babacas. Grita comigo: “Xô, baixo astral”. “Xô, patrulha.”

 

Termina, enfim, a canção dos Secos & Molhados.

 

Entra a dupla do Moloko. Sing It Back. Aumento o som. Alto. Bem alto. Balanço a cabeça. Depois a pança. Ensaio uma dancinha tímida. Constrangedora.

 

Sozinho, longe de testemunhas, boto o câmbio automático no D. Bora partir. Hit the road, André, and don't you come back no more, no more, no more, no more.

Foto: Mauro Vieira

André Campos é jornalista e colaborador da Sete Cultura

Cultura e política como vocações                    

O Mecanismo, série sobre a Lava-Jato de José Padilha, vai jogar mais sujeira no ventilador em pleno ano eleitoral

 

No cruzamento entre cultura e política, a notícia mais importante vem do Netflix. Agora em junho começam as filmagens de O Mecanismo.

 

Inspirada na Operação Lava-Jato, a empresa líder do segmento de streaming anuncia o lançamento da nova série para 2018.

 

A direção fica a cargo dos premiados José Padilha (Tropa de Elite) e Elena Soarez (Eu tu eles).

 

Selton Mello – que dispensa referências – é o protagonista da trama, no papel de um delegado aposentado da Polícia Federal.

 

José Padilha pega um, pega geral – sempre com qualidade técnica, respeito pelo público e faro apurado para negócios.

 

Com fino domínio da linguagem audiovisual, o cineasta promete dar uma carcada nas vacas sagradas da política em pleno ano eleitoral.

 

Recentemente em O Globo, jornal no qual é colunista, Padilha explicitou seu posicionamento sobre a crise engendrada pela força-tarefa liderada pelo juiz Sérgio Moro.

 

“A Lava-Jato deixou claro que existe, no âmago da democracia brasileira, um mecanismo que transfere recursos da sociedade civil para quadrilhas formadas por fornecedores do Estado e partidos políticos”, defendeu.

 

Exceção na esfera da cultura brasileira, José Padilha é um realizador que bate duríssimo nas lideranças progressistas do país.

 

“É evidente que Lula, Dilma e o PT desviaram grande volume de recursos públicos em conluio com lideranças do PMDB. Nenhuma pessoa razoável consegue negar isto face as evidências disponíveis”, cravou.

 

O que propôs então o diretor? “Aplicada a lei, deveriam ser presos.”

 

José Padilha criticou sem dó “os pensadores de esquerda” que postulam “mirabolantes teorias conspiratórias para negar que Lula e o PT sejam corruptos, acusando a mídia, os procuradores e os juízes da Lava-Jato de tortura e de perseguição”.

 

Ficou patente o desconforto dele com a “gente inteligente” que relativiza a corrupção e argumenta com desfaçatez: “Se todos são corruptos, melhor ficar com os que têm consciência social”.

 

Pronto. Vixe! Lá vem o empolgadão, todo-todo serelepe, com aquele caô de craque que chuta com as quatro. “Podemos concluir, portanto, que José Padilha é um coxa lascando os mortadelas, certo?”

 

Nã, nã-nã, nã-nã. Nada disso. A complexa realidade brasileira não permite mais análises tatibitates, camarada apressadinho.

 

No mesmo balaio da Lava-Jato e do arrocho econômico, o debate político chegou a um limite no qual as reduções maniqueístas e as palavras de ordem precisam ser abandonadas.

 

Mas todo fim também é um começo, com o perdão do clichê. E depois de tanta destruição, a crise precisa despontar como inovação.

 

Então, agora vai? Aí depende de nós, cidadãos, como sempre. Está óbvio apenas que a desconstrução pura e simples nada resolve.

 

Bora conferir o que isso significa por intermédio do que batizei de “Método Interpretativo da Realidade Ruim Com o Capiroto, Pior Com o Anticapiroto”.

 

Ao aplicar a minha engenhoca se percebe, por exemplo, que a mais refletida posição crítica em relação às reformas propostas pelo governo federal (capiroto) NÃO pode ser uma postura intransigente antirreformas (anticapiroto).

 

Pensa comigo: se a moda anticapiroto pegar e tudo ficar como está, a bicicleta brasileira quebra e aí fodeu. Acabou a brincadeira.

 

Desculpa aí o palavrão e a alegoria satânica de mau gosto. Viajei. Onde eu estava mesmo antes desse papo infernal, hein?

 

Ah, voltando, meu diagnóstico é que José Padilha não sofre de binarismo crônico.

 

O argumento central do cineasta na coluna em questão é que “opera” nos meios intelectuais nacionais “um estranho princípio da reciprocidade” ideológica.

 

“Este princípio está tão arraigado no Brasil que estou convencido de que até os ministros do STF o levam em consideração”, afirmou.

 

O desdobramento deste raciocínio, segundo ele, é que “o STF deve estar se preparando para condenar algum político importante do PSDB no âmbito dos processos apresentados pela PGR antes do que se imagina”. 

 

“Candidatos não faltam”, apostou José Padilha.

 

Na avaliação dele, a confirmação deste roteiro – tchan!, tchan!, tchan!, tchan! – “seria uma ótima notícia”.

 

Porque “o PSDB sofreria um baque e Lula poderia ser preso sem que o princípio da reciprocidade ideológica fosse contrariado”.

 

Ufa. José Padilha não pensa apenas fora da caixinha do Fla-Flu.

 

Reflete num octógono. Distribui pancadaria no melhor estilo MMA. Seu texto faz sangrar geral!

 

Ele tem o dom de desagradar a todas e a todos no circo político – militantes e atores tradicionais.

 

O cineasta dá também uma banana para dogmas, tabus e jargões de especialistas como advogados, cientistas políticos, sociólogos, antropólogos, jornalistas, economistas e afins.

 

Do lado do público, tanta liberdade é muito bem-vinda. Mas retratar a verdade – ou as verdades, sempre no plural – me parece meta inatingível para as gigantes do entretenimento dispostas a contar estórias.  

 

Isso não impede, porém, de se aventar – com expressiva margem de segurança – um impacto considerável d’O Mecanismo no pleito de 2018.

 

Vivemos num mundo em que as percepções moldam o real (talvez tenha sido assim desde o Big Bang e só agora tudo esteja mapeado).

 

Nessa perspectiva, o pensamento livre de José Padilha – a ser ativado em rede pelo Netflix – projeta um estrago bisonho na já trincada imagem dos políticos às vésperas da corrida eleitoral.

 

Qual o tamanho exato desta nova chacina de reputações? Gigantesca, suponho. Global, arrisco.

 

Cínico e desesperançado, o eleitor de 2018 pode terminar refém de clones made in Brazil de picaretas-winners da laia de Roger Stone, estrategista sênior de Donald Trump e definidor do conceito de política como “o show business para pessoas feias”.

 

Oremos. Que Nossa Senhora dos Políticos Delatados – santa de devoção da ex-presidenta Dilma Rousseff – proteja a democracia desta nação deitada eternamente em berço esplêndido.

Foto: Divulgação

 

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

Só The Jesus and Mary Chain salva

Como contar a amigos mortadelas que você gostou de um político megacoxa

 

Tocava no meu Spotify “Espiral de Ilusão”, lançamento do cantor e compositor Criolo, a mais completa tradução de uma cena cultural paulistana que ganhou o Brasil.

 

Quando o celular tocou.

 

“Alô, velho?!? Sou eu! Tá me escutando? Ouve aqui, camarada: minha vida pirou total e foi parar num roteiro de Damon Lindelof”, sussurrou, claudicante, um amigo asanortino de passado glorioso no roquenrol.

 

Demorei frações de segundo para me lembrar de Damon Lindelof, o roteirista do malfadado episódio final de Lost. Putz! Deu ruim.

 

Entendi logo que se tratava de uma emergência.

 

“Oi, meu irmão, pode falar um pouquinho mais alto? Aconteceu alguma coisa séria? Morreu alguém? Tá tudo bem?”, interpelei, preocupado, depois da abordagem sinistra.

 

A voz trêmula seguiu fantasmagórica. “Tudo mais ou menos, né. Guentaí... pronto. Estou saindo aqui do gabinete do Dória. Vim acompanhar um cliente. Dória, sabe, o prefeito de São Paulo?”

 

Claro que eu sabia. “E eu com isso?”, emendei algo impaciente, porém, aliviado com a ausência de um cadáver na história.

 

“Brother, tô impressionado com o sujeito. Todo almofadinha, mas despachado, um avião. Como é que vou contar que gostei do megacoxa pros nossos amigos, um bando de mortadelas? Será que virei direitista raivoso?”, rangeu, compungido, meu quase irmão.

 

Ri, mas de nervoso. A situação exigia recato até de mim, um liberal confesso, reduzido pelos adoradores do Estado e populistas em geral a um inocente útil metido a “isentão”. Ou seja, um bosta.

 

Pensei em pegar o atalho do pessimismo vulgar e avisar, clichê e de supetão, que os políticos – inclusive os que se apresentam como gestores – frustram sempre seus admiradores. Só que não.

 

A vida quer é coragem. “Quem não tem proceder, já era.”, cantei.

 

Embalado por “Hora da Decisão”, samba-protesto de Criolo, falei ligeiro e seguro: “Cara, não fica assim, na política, sabemos, é fera engolindo fera, sai do armário e, portanto, assume que gostou do Dória, não há crime nisso”.

 

Fiz uma pausa em busca da entonação perfeita. Para emendar: “Vai ficar tudo bem, somos todos adultos, experientes, não existe mais esse troço de direita e de esquerda, estamos no século 21”.

 

Apesar da convicção, não convenci.

 

Respirei fundo e citei, fleumático, o exemplo de lucidez e conciliação do usuário de crocs Pepe Mujica, ícone global para os esforços por um mundo melhor.

 

Em entrevista recente a Pedro Bial, Mujica falou coisas certas com sandálias erradas (crocs, gente, definitivamente não dá) e considerou o impeachment de Dilma “uma decisão legítima”.

 

Autointitulando-se “amigo político da Igreja Católica”, o ex-presidente uruguaio mitou ao legalizar a maconha, o aborto e o casamento gay durante seus governos.

 

“Vivemos na fronteira de mudanças institucionais que terão de chegar”, profetizou Mujica, em tom reformista, na TV Globo.

 

Com lirismo, acrescentou então que a luta pela justiça social era, no fundo, “solidariedade pelos oprimidos e, também, pelo opressor”.

 

E ainda definiu, poético, a política como um instrumento para “tentar colher amor social”.

 

“Porra, eu vi a entrevista. Maravilhosa. Venero o Mujica desde sempre. E só comecei a gostar do Dória agora”, contou, agonizante, a voz do outro lado da linha.

 

Um fiapo sonoro ainda argumentou. “Mujica tem 80 anos, André, e consegue o milagre de ser mais querido que o Lula entre os nossos amigos fundamentalistas! Eu não tenho o mesmo carisma dele para polemizar sem ser sacaneado.”

 

Perante tanto sofrimento via smartphone, desisti de fazer um paralelo entre o meu interlocutor e o ex-guerrilheiro Tupamaro.

 

Minha última cartada foi propor uma troca. “Conta que você até simpatizou com o Dória, mas ficou encantado mesmo com o programa do Gregório Duvivier na HBO.”

 

Silêncio. Mais silêncio. Psiu! “Você acha que vai funcionar?”, perguntou, ressabiado, o neodorista.

 

“O Greg News surgiu como candidato a melhor programa na faixa das 22h de sexta-feira, furou as bolhas ideológicas, fez rir do início ao fim e defendeu com humor causas iconoclastas, inteligentes e inovadoras”, sintetizei com franqueza.

 

“E se não der resultado?”

 

“Aí, só Jesus”, berrei, “só The Jesus and Mary Chain – no volume máximo – salva”.

Foto: Divulgação

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

Precisamos falar sobre astrolábia

Em plena Lua cheia, Lula presta depoimento a Moro


Nesta era de incertezas, encantar é preciso, sugere meu filho Gabriel, louco por astrologia.

 

Aliás, você já agendou algo especial para a próxima quarta-feira, 10, dia em que Lula presta depoimento a Moro em Curitiba?

 

Ou este texto é lido por alguém que não muda quando é Lua cheia?

 

Uma autoprogramada interação íntima com o satélite natural pode até não resolver nada, mas também passa longe de piorar qualquer coisa diante das notícias políticas do mundo, do Brasil e de Brasília nesta metade de 2017.

 

Como canceriano, recorrer à Lua sempre me pareceu legítimo e útil – mesmo para corações duros e personalidades cerebrais.

 

Comigo funciona assim: quando a realidade faz a razão bater no teto, ligo minha imaginação e tabelo com o pensamento mágico para não pifar.

 

Espero que você, cara leitora, caro leitor, drible a armadilha de desprezar a inteligência das pessoas interessadas nos astros como símbolos milenares muito além da pura racionalidade astronômica.

 

Se a tentação – humana demasiado humana – de diminuir o próximo (ainda mais o próximo diferente) te assombrar, sublime a vibe ruim com uma imersão em Poesia e Verdade, autobiografia de Goethe publicada em 1814.

 

Pois bem, o escritor germânico começa a narrar seu nascimento – no “dia 28 de agosto de 1749, ao bater meio-dia” – na mais refinada e deliciosa astrolábia. Zero crise, viu. Isso em pleno boom do cientificismo do século XIX.

 

Aqui ó: “A constelação era feliz: o Sol encontrava-se no signo de Virgem e em seu ponto culminante para esse dia; Júpiter e Vênus contemplavam-no favoravelmente e Mercúrio sem hostilidade; Saturno e Marte mantinham-se indiferentes”.

 

Segue, então, o pai do romantismo: “Só a Lua, cheia na ocasião, (...) opunha-se, por isso, ao meu nascimento, que não se consumou senão depois de transcorrido aquela hora”.

 

Goethe lapidou ele próprio a versão fantástica de ter superado a oposição de uma Lua cheia para nascer. Projetou-se, dessa maneira, na história como um vitorioso desde o parto. Foi, sem dúvida, um craque do marketing pessoal avant la lettre.

 

Conecto o passado ao presente. Atualmente, as mortes recentes de três pessoas tão incríveis quanto Goethe – cada uma, lógico, no seu quadrado – pintam de cinza esses dias nos quais as chuvas, como lágrimas envergonhadas, minguam em prenúncio à seca.

 

As despedidas de Lília, uma querida amiga, do cantor Belchior (“Alucinação”, de 1976, é sensacional) e do mestre e jornalista Carlos Chagas (um dos meus modelos de elegância e ética profissional) foram interpretadas por mim como um eclipse.

 

Por isso, no dia 10, vou me fixar no embate entre Lula e Moro, tomar um banho de Lua, reverenciar a memória dessa gente adorável e renascer no brilho intenso do astro. Bora?

 

Foto: Patrick Grosner (www.patrickgrosner.com)

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e Cultura

Vai ser Julia Roberts lá em casa  

Desculpa aí, People: a mulher mais bonita do mundo é a minha

 

Neste meu vácuo existencial que vai do fim da sexta temporada de Homeland à estreia da sétima de Game of Thrones, sóem meados de julho, a vida segue na banguela.

 

Mas eis que a revista People detona meu marasmo outonal ao eleger Julia Roberts a mulher mais bonita do mundo em 2017.

 

Dirão vocês, com toda razão, que esse tipo de eleição é anacrônica, resquício de uma sociedade machista-patriarcal. Que um ranking ultrapassado assim revela bem mais a cafonice de quem o divulga – no caso, eu – do que o atraso preconceituoso de quem o realiza.

 

Visto a carapuça e aceito a crítica (de boa). Foi mal. Desculpas oferecidas e – rogo – aceitas, bora em frente.

 

Ainda fico feliz ao saber que uma mãe de três filhos, aos 49 anos, consegue brigar de igual para igual com a meninada.

 

Não é pouco num mundo obcecado pela juventude e no qual envelhecer permanece um tabu. Nada contra as novinhas, claro. E tudo a favor das coroas, óbvio.

 

A eleição de Julia Roberts me remeteu ao slogan de um canal especializado em esporte que, com sabedoria, garante: “O melhor time? É o seu”.

 

Tal mote futebolístico apertou – mistério dos mistérios – o gatilho das minhas descalibradas sinapses e acabei por promover lá em casa uma eleição inspirada na agenda (digamos, vintage) da revista People.

 

Resultado: com 100% dos votos (o meu) minha mulher – dona Cíntia, aos 45 anos – foi eleita a gata mais lindona do planeta em 2017. Ano que vem tem mais. Advinha quem vai ganhar de novo?

 

Antes de terminar, me permitam, ainda, um devaneio místico. Afinal, estamos no Planalto Central. Primeiro, uma introdução: há quem acredite, como o sátiro romano Petrônio, que a humanidade criou os deuses por medo.

 

Possuído pela referência clássica do século 1 e pela efeméride que celebra agora, em maio, as cinco décadas do lançamento de Terra em Transe, recomendo aos devotos do cinema enfrentar eventuais temores e tremores lavajatianos com sacrifícios no altar da divindade-fílmica de Glauber Rocha.

 

O longa-metragem de 1967 está disponível no YouTube. A viagem não dá moleza espiritual. No entanto, os peregrinos da épica travessia cinematográfica são recompensados com os delírios mais deslumbrantes de uma época do Brasil – e de todo Ocidente – em que mesmo as derrotas políticas buscavam desembocar no “triunfo da justiça e da beleza”. 

 

Foto: divulgação

André Campos é jornalista e colaborador da Revista Se7e

Modernidade nos tempos da Lava-Jato

Capitão Fantástico promove reflexão sem dor ou sono

 

Única economista na qual confio, minha filha Maria Luiza foi a primeira a alertar. “Papai, Capitão Fantástico é sensacional”, comentou a caloura da UnB em meio a uma resenha doméstica sobre suas agruras em cálculo.

 

Ao tomar conhecimento de que o filme – dirigido por Matt Ross com atuação marcante de Viggo Mortensen – podia ser alugado na TV a cabo, minha preguiça de quase meio século perdeu, enfim, para minha fissura (paixão) pela sétima arte e decidi seguir a sugestão da futura presidente do FMI.

 

O longa-metragem se vende como comédia, mas evolui (bem) na chave do drama. Tem uma das cremações mais animadas da história universal. E acaba por fazer uma reflexão crítica profunda, porém nada dolorosa ou sonífera, sobre o que é ser moderno.

 

Quando no ano 1075 depois de Cristo, isto é, 942 primaveras atrás, o monge beneditino Berthold von der Reichenau cunhou em latim a palavra modernistas, não se imaginava que naquele relato de uma reunião convocada pelo papa Gregório VII começava uma saga – em breve – milenar.

 

Capitão Fantástico abriu em mim uma fissura (ruptura): o que é ser moderno no Brasil atual?

 

A pergunta impede binarismos nestes tempos de Lava-Jato em que Noam Chomsky – ídolo global dos progressistas e figurinha simbólica do filme – critica com rigor seus adoradores latino-americanos (brasileiros em especial) mais convictos.

 

Sem pretender dar qualquer resposta à minha indagação, tropeço no controle remoto do século XXI. A fabulosa geringonça nega –toda pimpona – um dos velhos hits dos anos 1980: “A televisão me deixou burro, muito burro, demais”. Deixou nada, brother!

André Campos é jornalista e colaborador da Se7e.

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