
Última semana para acompanhar o Festival Internacional de Cinema & Transcendência
Até o dia 27 de novembro acontece o 7º FESTIVAL INTERNACIONAL CINEMA & TRANSCENDÊNCIA, no site do festival - www.festivalcinemaetranscendencia.com –, totalmente gratuito! Os títulos deverão ser vistos nos horários fixados na grade de programação – fora isso, não estarão disponíveis para visualização.
“Autoconhecimento é libertação”. Em tempos de pandemia, que obriga a um intenso e íntimo contato (nem sempre prazeroso) consigo mesmo, as palavras da Monja Cohen soam como bálsamo. Com o isolamento social, homens e mulheres têm visto de perto suas próprias fragilidades, vulnerabilidades, incertezas. Mas também toda a riqueza do ser interior que cada um abriga. É neste contexto que o FESTIVAL INTERNACIONAL CINEMA & TRANSCENDÊNCIA chega à sétima edição, renovado e em sintonia com a complexa realidade contemporânea. Único no Brasil a investigar a subjetividade dos caminhos do autodesenvolvimento através da arte cinematográfica, o Festival acontece totalmente online, em plataforma própria, que abrigará não só as exibições, como também um show de abertura, lives, debates, presença de realizadores e aulas. A idealização e curadoria são do músico e cineasta André Luiz Oliveira, com cocuradoria da produtora e diretora Carina Bini. O projeto é patrocinado pelo Banco do Brasil, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
Durante a última semana do festival serão exibidos quatro filmes que valem a pena assistir. São eles:
*24/11 - TERÇA*
21h – What about me? – Com apresentação do diretor – 91’ - Livre
*25/11 - QUARTA*
21h – Quem se importa – Com apresentação da diretora – 98’ - Livre
*26/11 - QUINTA*
21h – O Navio de Teseu – Com apresentação do diretor – 144’ - Livre
*27/11 - SEXTA*
21h – O Outro Lado da Memória – Com apresentação do diretor – 115’ – 10 anos

Sobre pessoas interessantes, mas não importantes (ou vice-versa)
É difícil determinar o que faz uma pessoa ser interessante, aquela que esconde e ao mesmo tempo deixa à mostra algum aspecto que nos cativa, mas que não conseguimos explicar exatamente o que é.
Ser cátedra, ter pós-doutorado na França, ser executivo de multinacional, líder reconhecido no mercado ou político influente faz o sujeito importante, mas não necessariamente interessante.
Também não é passaporte para ser interessante saber dos últimos lançamentos da Apple, da Samsung ou ter sido um dos primeiros a ir ao restaurante da moda, que forma dois quilômetros de fila na porta.
A bem da verdade é mais provável que pessoas assim despertem sonolência em vez de interesse.
Dessa forma, eliminando esses tipos, você se surpreende verificando que com quem gostaria de conversar por mais de 15 minutos é o uruguaio que veio para o Brasil cursar a escola de circo. Ele joga malabares no sinal em que você para todos os dias, e hoje a apresentação dele estava tão boa, mas tão boa, que você, batendo palmas dentro do carro, se desculpou sinceramente por não ter nenhum trocado, ao que ele, em bom portunhol, respondeu “não tem problema, seu aplauso foi meu melhor cachê do dia”.
Há também a balconista da farmácia, que certamente foi trabalhar enlatada num ônibus, mas que vende um antigripal com atenção e sorriso largo, e de quebra deseja de coração que você fique bem, que amanhã acorde melhor. E no dia seguinte, quando você passa, ela coincidentemente está na porta da loja e pergunta: O senhor se sente melhor?
Sem falar na loura tingida da casa lotérica, aquela em que você entrou aproveitando que não havia fila, para jogar, sem qualquer esperança, na mega sena. Ela apanha a nota que você pegou na carteira e diz que com o troco dá pra jogar na quina que corre à noite e, quem sabe, ganhar um milhão. “Aí, o senhor volta aqui e me dá um presente”, e pisca o olho, divertida, misturando malícia e pureza. E ela faz isso de um jeito tão alegre que você promete a você mesmo que se ficar milionário vai comprar um mimo pra ela.
E pra balconista.
E dar um belo cachê pro uruguaio.
Porque cada um, a seu modo, fez ao menos cinco minutos da sua vida serem um pouco melhores e mais divertidos.
André Giusti – do livro As Estranhas Réguas do Tempo (Editora Multifoco, Rio, 2014)

Violência contra mulher será discutida nas escolas públicas do DF
A violência contra as mulheres, um assunto de grande importância, será tema de discussão nas escolas carentes do DF assim que as aulas presenciais estiverem de volta. O projeto Flores em Cena tem o objetivo de contribuir efetivamente para a transformação cultural, na medida que leva a informação e busca a sensibilização de jovens, prioritariamente das camadas mais vulneráveis da sociedade, envolvendo-os no próprio processo da construção e da formação de multiplicadores.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) mostram que sete em cada dez mulheres no mundo já foram ou serão violentadas em algum momento da vida. Segundo o Ministério da Saúde, a cada quatro minutos uma mulher é violentada por um homem no país. Somente em 2018, 145 mil casos de violência contra a mulher foram registrados. No Distrito Federal (DF) essa realidade é especialmente cruel. Levantamento do G1 mostra que em 2019, 60 mulheres foram assassinadas no DF. Do total, 33 foram casos de feminicídio e outros 27 foram classificados como homicídio doloso.
A informação, segundo especialistas, é um dos principais pilares para mudar essa realidade. Sendo o acesso a ela, um dos direitos básicos de toda e qualquer democracia. A informação tem poder de mudar paradigmas.
O projeto visa desenvolver uma peça teatral protagonizada por um elenco formado por 10 mulheres, jovens estudantes do ensino médio e acontece em parceria com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, com apoio da Secretaria de Educação e das Administrações Regionais de São Sebastião e Planaltina do DF. As apresentações acontecerão em escolas públicas do Distrito Federal, nas regiões administrativas de Planaltina e São Sebastião.
O texto foi criado especialmente para o projeto. No enredo, será abordada a violência contra a mulher como uma questão global e prioritária, que requer esforços que vão muito além das Leis hoje existentes, mas fundamentalmente de intervenções cirúrgicas no seio da sociedade, para fazer drenar o veneno herdado de uma cultura medieval machista, em que ao homem era permitido, por exemplo, castigar fisicamente suas mulheres, crianças e escravos. Permitia também matar a mulher adúltera e, não muito distante dos tempos modernos, dava às mulheres o status de “incapazes”, valendo lembrar que, no Brasil, a mulher só conquistou o direito ao voto em 1932.
O projeto está sendo idealizado pelo Instituto Lumiart e conta com apoio de recursos do Governo Federal.
As informações são da assessoria de imprensa do projeto.

As filhas moravam com ele
Quando abriu a porta e acendeu a luz, o apartamento de apenas 30 metros quadrados lhe pareceu maior do que uma mansão de vinte quartos sem mobília e sem gente morando.
Naquela noite, foi dormir cedo, muito mais por solidão do que por cansaço.
Até hoje não sabe se sonhou ou se tudo não passou de imaginação disfarçada de sonho naquele limiar do sono, quando já estamos quase dormindo, mas ainda restam algumas tomadas plugadas ao mundo concreto do dia que termina.
O que sabe é que estava em uma casa bem maior que seu apartamento, uma casa térrea, que chamava a atenção pela simplicidade e pelo acabamento desleixado.
O piso era de cimento queimado e lembra-se de que duas ou três paredes estavam ainda no reboco. Não sendo antiga, também não era recém-construída. Percebia-se que estar pronta sendo inacabada era traço característico incorporado pelo tempo e por iniciativas proteladas, daquelas “tem que fazer, mas esse mês, não dá, deixa para o próximo”. Era bem clara também, de uma claridade que permeava a sala espaçosa, os três grandes quartos e a cozinha, onde cabia mesa de seis lugares, feita de madeira rústica.
Em seu dorme não dorme, sonha não sonha, não tinha certeza se a luz do dia era a da manhã ou a da tarde. Era luz, e isso era o mais importante. Ali, pelo jeito, ele pensou quase dormindo (ou sonhando?) que o luar também deveria fazer visitas e se hospedar feito primo que vem sempre.
Já o vento, este mais que se hospedava. O vento morava. Aproveitava as grandes janelas sempre abertas, sem grades e cortinas, e circulava pelo ambiente de poucos móveis e imensos clarões entre mesa e sofá, camas e guarda-roupas. O vento entrava e saía, esperava alguns instantes, voltava. O vento parecia um cachorro de casa: do quintal para dentro, de dentro para o quintal, até que alguém o notasse e fizesse festa pela sua presença.
Quando naquele túnel irreal ainda percorria os cômodos e vislumbrava do janelão da cozinha uma varanda imensa, coberta por telhas e sem laje, ouviu vozes de meninas, meninas entre a infância e a pré-adolescência.
- Pai! ‘Cê tá em casa, pai? – Era a voz da filha mais velha, entrando esbaforida, jogando a mochila no primeiro espaço vazio.
- Pai! Tirei nove em matemática! – Avisou a do meio, vindo junto à primeira.
- Pai, cadê o Dique? – E logo surgiu a caçula, passando por ele e voltando instantes depois, seguida pelo cachorro labrador imenso e carinhoso. Ele sorriu no sonho, ou no que quer que fosse aquilo que embalava seu adormecer: havia também um cachorro, para também entrar e sair quando quisesse.
Eram suas filhas, e moravam com ele no sonho, no limiar do sono ou na imaginação meio acordada, outra metade adormecida. Não precisava pegá-las de quinze em quinze dias, pois era ele quem cuidava delas todos os dias, do que haveria para almoço e para a janta, era ele quem recolhia suas presilhas de cabelos, suas fitinhas e laços esquecidos pelos cômodos. Era ele quem as ouvia contar histórias do recreio na escola e entregarem, cada uma, segredos inocentes das irmãs sobre namoradinhos.
Depois que almoçavam, nas tardes de sábado, iam para a varanda terminar de rir das tolas piadas que contaram à mesa. Lá pelo meio das três horas, esticado em uma encorpada cadeira também de madeira rústica, ele perdia os olhos em um horizonte baixo que havia para ser medido do alto da colina onde ficava a casa. A paisagem sumia num cochilo bom e profundo, mas reaparecia quando ele acordava com o vento mais forte derrubando mangas no fundo do quintal e anunciando chuva grossa no fim da tarde.
Espreguiçava-se em paz, com a certeza do cheiro da terra e grama molhadas. Era a mesma certeza de que mais tarde, quando já fosse noite, as nuvens descarregadas do temporal dariam lugar no céu às estrelas, e que ainda mais tarde uma lua amarela, pela metade, subiria o muro do mesmo horizonte baixo.
Terminando de esticar os braços e dar os últimos bocejos, levantava-se e ia inspecionar os quartos, onde as encontrava enfiadas nos livros, nas mensagens dos celulares e quase sempre no apronto sem fim dos cabelos.
Do corredor, perguntava alto:
- Quem vai querer pizza de noite?
- Eu!
- Eu!
- Eu!
E as vozes felizes tomavam a casa, carregadas pela expectativa do sabor.
Eram suas filhas, moravam com ele, e ele, quando chegava em casa, não encontrava solidão. Ouvia no sonho, ou no galope da imaginação, a chuva chegando, sentia o cheiro da terra molhada invadindo a sala. As janelas batendo com o vento e a copa da mangueira sacudida lá fora avisavam que ele era feliz e que aquela era uma casa simples e em paz.
Um dia, o curso normal da vida levaria as três, uma a uma, mas logo logo o recompensaria com netos e netas, e a casa, sempre inacabada, estaria cada vez mais firme em sua simplicidade e em sua paz.
As filhas moravam com ele.
E se realmente sonhara, fora o sonho mais lindo que tivera em toda a sua vida.
Foto: Arquivo pessoal do autor.
André Giusti é jornalista e escritor.

Brasília de grilos e vagalumes
Uma lembrança forte que tenho da infância bem remota são os grilos cantando na varanda da casa de uma de minhas tias, no bairro da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.
Concentrava meus ouvidos naquele cri-cri-cri incansável e em poucos minutos ele já pairava acima da conversa chata dos adultos. Mais meia hora que se passava, e a cantoria repetida embalava meu sono no início da madrugada.
E como a opção fosse pelas luzes apagadas para que o luar desse conta da varanda escura, vagalumes cortavam as sombras da noite, completando meu divertimento e desaparecendo quando o peso do cansaço cerrava meus olhos.
Permeando o cantar dos grilos e o luzir mágico dos vagalumes, a brisa entregava o cheiro da maresia que vinha de uma Baía de Guanabara ainda não poluída (ou pelo menos não tanto).
Eu cresci, o Rio de Janeiro ainda mais do que já era na minha infância. Por lá, provavelmente não haja mais sinfonia de grilos nem piscar de vagalumes.
Aos 30 anos, viajei 1.200 quilômetros para mudar completamente minha vida e minha história, e no primeiro dia morando numa antiga quadra da Asa Norte, o que ouço ganhando o silêncio de fim de noite? Sim, minha infância viajando na distância da geografia e do tempo para me visitar. Meu Deus! Em Brasília se ouvem grilos! Sorri consternado, e logo pensei nos vagalumes, sem imaginar a surpresa que um apagão na cidade me reservaria cerca de uma semana depois: duas ou três luzinhas esverdeadas acendendo e apagando junto ao tronco da sibipiruna próxima à minha janela.
E como o cheiro da maresia não chega até aqui, me viro como posso com esse perfume agreste do cerrado e suas flores exóticas, suas belas árvores tortas.
Foto: Divulgação.
André Giusti é jornalista e escritor.

A Grande Mentira (The Good Liar – 2019)
Não é preciso muito para convencer um fã de cinema a assistir este A Grande Mentira. Basta olhar os nomes da duas grandes estrelas do elenco para se decidir. Há vários motivos para gostar de uma produção. Pode ser boa história, bons diálogos, bom jogo de câmeras, belas fotografias, e, como é o caso aqui, interpretações magnéticas.
Nem é preciso dizer que é um deleite ver Ian McKellen interpretar Roy Courtnay, um golpista idoso que busca uma última grande trapaça antes de se aposentar. A experiência é ainda mais forte com a futura vítima dele, Betty, que é interpretada por Helen Mirren. Os dois se conhecem em um aplicativo de relacionamentos para pessoas mais velhas e criam afinidade. Mas ela não parece consciente que o interesse dele é voltado exclusivamente para a pequena fortuna guardada em alguma conta.
É um típico filme de suspense de golpe, sem muita novidade. Mas o subgênero não busca muito mais que diversão com reviravoltas e cenas tensas. E é isso que o diretor Bill Condon e o roteirista Jeffrey Hatcher querem entregar nesta adaptação do livro homônimo de Nicholas Searle. Há uma trama leve e rápida que acompanha esses personagens até o fim. Algo na linha que fazia com que Alfred Hitchcock tivesse muito sucesso.
Condon dirige quase com tom intimista, com planos próximos e muitas sombras. Isso realça a sensação de suspense e de que os personagens escondem algo entre si. Além disso, o diretor de fotografia Tobias A. Schliessler dá dicas de pequenas surpresas da trama com uma lente com foco levemente profundo. Todo enquadramento tem apenas um objeto, personagem ou cenário focado. O resto fica com um borrado fraco.
A técnica serve a dois propósitos. Primeiro, orienta a visão do espectador, que procura inconscientemente o que estiver focado. Mas mais importante, reflete a trama, em que pequenos segredos e mentiras estão escondidos por toda parte. E Condon tem confiança no texto de Hatcher, porque permite que pequenas dicas apareçam por toda parte em cortes secos durante momentos de interpretações dos atores, ou até por colocar olhares que dizem muito.
Isso porque o texto é realmente bem escrito. Os diálogos parecem naturais, em grande parte devido aos excelentes atores, mas também escondem nas entrelinhas. Sejam motivos para ele não querer uma viagem que ela quer muito fazer, até a forma como alguns golpes apresentados no filmes revelam como a grande surpresa pode ocorrer.
No entanto, Hatcher e Condon não conseguem esconder o grande defeito da trama original do livro. A maior parte das reviravoltas são impossíveis de serem previstas, por mais que existam pistas pelo filme. É muito fácil surpreender o espectador quando não tem nada que indique o que é a verdade completa da produção.
Ainda assim, a combinação de suspense e texto divertidos garantem a condução do filme. E a reflexão final sobre culpa e punição também enriquece muito as discussões após a sessão. Mas o melhor de tudo é notar as nuances das interpretações dos dois protagonistas. McKellen expira vitalidade nos olhares que avaliam tudo de Roy, enquanto Mirren esconde muito de quem é Betty em rápidas mudanças de posições de câmera e em cortes de cenas. São dois veteranos talentosos que reforçam o trabalho um do outro.
O resultado é exatamente o que se propõe, um suspense divertido, rápido, vigoroso e com alguma reflexão. Mesmo que a reflexão não seja duradoura e as não reviravoltas deixem a desejar, é difícil sair do cinema após A Grande Mentira sem uma sensação positiva.
Foto: Divulgação.
Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Doutor Sono (Doctor Sleep - 2019)
"Me diz quem vai dirigir essa merda", foi a reação do diretor de cinema Pedro Buson quando soube que O Iluminado teria continuação. Mesmo depois de saber que seria um diretor conceituado como o Mike Flanagan, ele ficou irritado: "Mas não é o Stanley Kubrick!". Ele tem motivo para a preocupação. Qualquer pessoa que resolva estudar cinema descobrirá rapidamente que o realizador lendário é um dos mais importantes da história.
E retomar a história de Danny Torrance (Ewan McGregor) 40 anos depois do clássico é perigosíssimo. Agora adulto, ele usa os poderes de clarividência e de mediunidade para auxiliar pessoas moribundas em um hospital em que trabalha no turno da noite. Até encontrar Abra (Kyliegh Curran), uma garota mais poderosa do que tudo que ele já conheceu. Agora ele precisa protegê-la de um grupo de semi-vampiros liderados por Rose a Cartola (Rebecca Ferguson) que querem absorver a essência dela.
Este Doutor Sono tem um risco duplo para Flanagan. Além de fuçar com um clássico de um dos grandes mestres da arte, ainda é continuação de um filme que ficou infame pelo ódio do autor do livro que serviu de inspiração, Stephen King. O que deixou para Flanagan três opções complexas: fazer uma continuação que se desconecta do livro; uma adaptação do livro que se desconecta do filme anterior; ou fazer algo que seja tanto continuação e adaptação fiel. E o diretor, roteirista e editor escolheu justamente a terceira, a mais difícil.
Felizmente, Flanagan é apaixonado pelos dois. Conheceu o filme de Kubrick antes de conhecer King como autor, mas eventualmente passou a admirar a obra do escritor. Por isso, consegue equilibrar os dois objetivos na maior parte do filme. Assim como no livro Doutor Sono, faz com que a história seja uma jornada de redenção para os Torrance. Ao mesmo tempo, é uma homenagem à tudo o que faz do filme clássico algo tão influente no cinema.
Desde o começo, ele demonstra como os eventos no hotel Overlook traumatizaram Danny quando garoto. Perseguido pelos espíritos do lugar e com a lembrança do pai violento e alcoólatra, ele segue o caminho compreensível, de excessos. É um tema recorrente em filmes do diretor, e ele apresenta bem o que é a luta de Danny para largar o vício em bebida e para encontrar equilíbrio e estabilidade. Tudo, é claro, remete ao passado sombrio dos Torrance.
Ainda assim, o primeiro enquadramento e o estilo musical do filme original dão o tom de que se trata de algo no mesmo universo de O Iluminado. Flanagan faz questão de repetir enquadramentos de Kubrick e de usar planos simétricos. Até que Danny se reforma e toda a linguagem do filme passa a ser dele. É sutil, mas ele assume a produção como dele sem deixar de reconhecer o que veio antes.
Há uma predominância da cor verde, que Flanagan gosta de usar para representar protagonistas femininas nos filmes dele. Da mesma forma que Doutor Sono é, predominantemente, um suspense de gato e rato. Não há monstros ou fantasmas atrás de ninguém. É apenas Danny e Abra com os poderes paranormais contra um grupo de "pessoas" com outros poderes paranormais.
E, nesse sentido, Flanagan deixa produções de super-heróis exuberantes como Doutor Estranho no chinelo. Há uma cena em que Rose e Abra têm uma disputa por controle de mentes que brinca muito bem com as formas como humanos acumulam memórias e têm representações mentais de si. É divertido ver esses confrontos, mesmo que eles não sejam grandes cenas de ação e perseguição.
Outra coisa que garante a diversão é o domínio do ritmo. Flanagan conduz as cenas por meio de uma linha de raciocínio que permite ao espectador prever os perigos que se aproximam, mas não o que acontecerá. Então, quando se vê Rose ter uma experiência extracorpórea através dos Estados Unidos, já é possível prever que ela vai procurar Abra. É algo que Hitchcock fazia muito bem: com que o espectador soubesse do risco, mas não o que acontecerá quando ele alcançar um dos personagens.
Isso já cria identificação com os protagonistas, porque todo mundo entende o que é temer pela segurança. Outra coisa que serve bem a esse propósito é a representação do grupo de vilões. Eles são/foram humanos, mas predam crianças por fome. E Flanagan faz questão de mostrar uma morte lenta e dolorosa de um menino, para dar a entender o que pode acontecer com Abra e Danny. Também ajuda muito ter uma atriz fenomenal como Ferguson como antagonista.
Ela faz com que Rose se expresse por movimentos mínimos. Quando descobre uma brincadeira de um parceiro, dá um leve meio sorriso. Quando caça Abra, levanta levemente os braços para indicar que a personagem sente os inimigos com os poderes dela. Ferguson é tão boa que ofusca um elenco extraordinário. Além de McGregor, apaga gente como Bruce Greenwood, Cliff Curtis e Jacob Tremblay.
Com tanta personalidade e rumo próprio, o filme derrapa justamente no clímax, quando precisa fechar as pontas de Danny com o passado dele. Há até uma fala de Rose que nos lembra que o personagem nunca chegou a encontrar os perigos do filme até o fim. De repente, o filme volta a repetir enquadramentos e trilhas de O Iluminado, perde o ritmo e coloca algumas soluções aceleradas que nunca parecem se encaixar no que foi mostrado até então. É mais um clímax anticlimático.
No entanto, um final apagado não compromete o que foram duas ótimas horas que prendem e fazem o espectador torcer pelos personagens e vibrar de tensão com os vilões. Doutor Sono não é apenas um trabalho arriscado de Flanagan, mas também o primeiro filme de grande orçamento voltado para grandes audiências. E, mais uma vez, o artista passou pelo teste como realizador.
P.S.: Como há referências em peso ao filme de 1980, é recomendado reassisti-lo antes da sessão.
Foto: Divulgação.
Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

A Família Addams (The Addams Family - 2019)
Há algo de charmoso e atemporal na Família Addams. Pai, mãe, filho, filha, avó, tio, mordomo e mãozinha formam um grupo que existe há décadas no imaginário popular. Em tom gótico e cadavérico, eles gostam de sentir dor, aplicar dor, criaturas macabras, brincar com facas, espadas, explosivos e objetos de tortura. É quase como uma equipe de monstros, mas também um reflexo das relações dentro de uma das primeiras instituições às quais a maioria das pessoas são expostas: a unidade familiar.
É por isso que, quando o pântano ao redor da mansão Addams é drenado, a neblina dispersa e eles descobrem que vivem no meio de uma área residencial típica dos sonhos americanos, com jardins floridos e paredes coloridas. O que desperta a atenção da adolescente Vandinha (Chloe Moretz na dublagem estadunidense), que está entediada com os perigos “seguros” da casa em que vive. Ao mesmo tempo, uma reunião Addams ocorrerá para celebrar a Mazurca, ritual de passagem para Feioso (Finn Wolfhard).
Apesar de todas as esquisitices, o filme faz questão de ressaltar justamente o que faz dos personagens tão interessantes: o fato de que eles são apenas uma família. Eles jogam facas uns nos outros, brincam de tortura e ferimento, mas todos se divertem juntos. Na verdade, quando têm problemas, eles surgem de conflitos comuns entre parentes.
Assim, os roteiristas Matt Lieberman e Pamela Pettler fazem questão de criar contrastes entre as relações entre os Addams e a relação entre os vizinhos “normais”. Os cidadãos que vivem ao redor da mansão se escondem em redes sociais e celulares, gostam de fofocar e vigiar uns aos outros e escondem coisas rotineiras que poderiam causar vergonha se mal vistas. Enquanto os protagonistas dedicam atenção quase total ao bom convívio entre eles.
O choque é ainda maior com a proprietária dos lotes, Margaux Needler (Allison Janney), que vigia todos os lotes com câmeras escondidas, controla as notícias falsas nas redes sociais e tenta manipular a comunidade para que todos se adequem aos padrões que ela estabeleceu. É quase óbvio, mas sustenta o que faz dos Addams interessantes, a reflexão social sobre as expectativas da vida em família.
O filme também ganha muito com o trabalho de design da equipe de animação, que enche o filme com detalhes mórbidos que garantem um atrativo para que as crianças encontrem coisas novas a cada vez que assistirem de novo. Desde as tranças com forma de forca nos cabelos de Vandinha, até o cuidado com formas nos cômodos da casa, que se assemelham a caixões. Isso sem falar nas formas dos personagens, que seguem os traços originais de Charles Addams, criador dos quadrinhos.
O mesmo primor técnico, porém, não está na condução da animação. Se os diretores Craig Tiernan e Conrad Vernon demonstram carinho pelo material original, também não têm domínio sobre ritmo de cena. Como animações podem ter movimentos inumanos e permitem cenas de ação e de comédia aceleradíssimas, eles muitas vezes perdem o tempo correto para entregar piadas com frequência. Ao mesmo tempo, momentos de perigo parecem artificiais e falsos por conta de como tudo está além da realidade de como pessoas se movem.
Além disso, o recurso torna comum que o espectador se perca entre cenas. É um defeito que ocorre com frequência em estúdios de animação iniciantes, e é o que acontece aqui com um estúdio pequeno comprado pela MGM de última hora para a produção do longa. Muito disso é realçado com a dublagem brasileira. Como sempre, o trabalho dos dubladores é primoroso, mas a mixagem parece abafar sons e ruídos em situações estranhas. Um exemplo é quando a vilã usa um megafone e o som do aparelho fica mais baixo que o da voz normal da atriz.
Mesmo com defeitos tão comuns, o charme da Família Addams e o carinho dos realizadores se destaca. Não tem a qualidade técnica para ser chamado de um grande filme, ou uma grande conquista da arte, mas é suficiente para animar a criançada. E ainda tem a vantagem de reavivar personagens tão singulares e interessantes na lembrança das pessoas.
Foto: Divulgação.
Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

O Pintassilgo (The Goldfinch – 2019)
Prêmios podem significar muita ou pouca coisa. Os críticos de cinema vão concordar, por exemplo, que o Oscar é supervalorizado. Da mesma forma que um Nobel é dado apenas para as grandes mentes que geraram mudanças significativas para o mundo. Para a literatura, o Pulitzer é algo a ser levado à sério.
Com isso, a adaptação do vencedor de 2014 que conta a história de Theo (Ansel Elgort/Oakes Fegley), chega cheia de expectativa. Ele sobrevive a um atentado terrorista no museu Metropolitan que mata a mãe. Nos escombros, resgata e leva consigo o quadro O Pintassilgo. A passagem dos anos o transforma e também a relação com a obra de arte roubada.
Ao mesmo tempo em que o Pulitzer funciona inicialmente como ferramenta de divulgação do filme, também carrega consigo a maldição da expectativa. Além dos realizadores John Crowley na direção, Peter Straughan no roteiro e Roger Deakins na fotografia com atores como Nicole Kidman, Sarah Paulson e Jeffrey Wright no elenco. É bem claro que o filme é uma aposta para a temporada de premiações.
Tanta pompa indica também uma armadilha comum nesse período do ano para alguns filmes: a presunção. A trama de superação de traumas pessoais passa por anos da vida de Theo e, em tamanha jornada, por vários episódios que não necessariamente se conectam. Mas cada um tenta levantar um debate diferente.
Então há o momento de luto e revolta com uma família parecida com a mãe, o retorno ao convívio com o pai alcoólatra, a comédia adolescente, o drama do artista que pecou contra a arte e, enfim, um misto de espionagem internacional com trama policial. Não à toa, quando o filme acabou, foi preciso de um momento de reflexão para relembrar de várias partes dos 149 minutos de projeção.
Tudo filmado lentamente, com a perfeição técnica de Deakins, mas uma falta de expressividade narrativa. É impressionante como os movimentos de câmera encontram os atores em planos bonitos sem que nada esteja milimetricamente fora de foco. Ao mesmo tempo em que é impressionante como a maioria desses mesmos enquadramentos parecem vazios de significado.
Crowley não é amador e consegue até construir rimas narrativas com a noção de mergulho e volta à superfície. Mais de uma vez, o rosto de Theo desce nas cenas para voltar a subir em outro momento da história. Mas nada disso faz com que pequenas cenas que parecem filmadas de qualquer canto do cenário deixem de incomodar.
E o diretor também sabe tirar o que precisa de seus atores. Que a Nicole Kidman é uma atriz excepcional, ninguém tem dúvida. O que chama a atenção aqui é Elgort. Sempre carismático e enérgico (vale lembrar que ele era bailarino), o ator interpreta aqui por meio da postura. São as poses de Theo que indicam os sentimentos que ele escondem por trás de um comportamento exemplar.
Certamente, O Pintassilgo não é um filme desprovido de qualidades. As boas interpretações somadas à excelência técnica ainda são um desbunde. O que incomoda, no entanto, são as escolhas de diretor e roteirista de fazer com que a história seja inchada em tempo, em tramas paralelas, e em mensagens.
Foto: Divulgação.
Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Projeto que inspira: cinema e inclusão social
No Centro do Rio de Janeiro, a Biblioteca Parque disponibiliza sessões de cinema diariamente para o público de forma geral. O mais interessante desse projeto é que ele atraiu pessoas em situação de rua para desfrutar dessas sessões diárias.
A biblioteca possui um acervo de mais de dois mil títulos doados por moradores da cidade e dá duas opções de títulos por dia. Em cada uma das 10 cabines cabem duas pessoas. Os frequentadores são cadastrados e recebem até uma carteirinha.
O Rio de Janeiro possui mais de 15 mil moradores em situação de rua e a iniciativa da Biblioteca Parque é louvável no sentido de dar perspectiva e inclusão social à essas pessoas tão marginalizadas.
A sétima arte possibilita que essas pessoas voltem a sonhar, estimula a criatividade e amplia os horizontes. O projeto da Biblioteca Parque do Rio de Janeiro poderia inspirar a Secretaria de Cultura do Distrito Federal. A Biblioteca Nacional de Brasília poderia ser o start desse programa que depois poderia ser implementado nas outras 25 bibliotecas públicas do DF, afinal sonho não tem limites.
Parabéns aos idealizadores desse projeto que é exemplo de cidadania, inspirador e emocionante. Que mais iniciativas como essa surjam a cada dia.
Michelle Maia é jornalista e editora da Se7e Cultura

Atentado ao Hotel Taj Mahal (Hotel Mumbai - 2018)
Há algo assustador na vida real. Algo que mexe com os nervos da população e faz com que milhares, talvez milhões, corram para TVs, jornais e internet para acompanhar notícias sobre assassinatos em massa e tragédias em lugares remotos. As pessoas se reúnem e mandam energias positivas de diversas formas para sobreviventes e vítimas.
Na mesma pegada, filmes como este Atentado ao Hotel Taj Mahal busca elucidar momentos cruciais de tais situações, e ainda levar o espectador para dentro dos eventos. Aqui, em específico, o público é levado ao hotel na Índia no dia em que vários locais de Mumbai foram atacados por terroristas.
Assim como a vida real, o objetivo do diretor Anthony Maras, junto com o co-roteirista John Collee, é fazer com que o horror tome conta dos cinemas. Não para acusar os terroristas, mas para mostrar todos os lados daquele dia, enquanto os funcionários do hotel tentavam salvar a vida dos hóspedes nas longas horas em que os extremistas rondavam os corredores do prédio.
Então a narrativa se divide em três núcleos principais: o garçom Arjun (Dev Patel), o casal mais rico Zahra (Nazanin Boniadi) e David (Armie Hammer), e os três terroristas. A escolha é fundamental para dar voz para todos os lados da história. Os algozes, apesar de assassinos e violentos, são vítimas de um sistema de lavagem cerebral. O funcionário serve de rosto para o bom serviço do hotel, cujos trabalhadores se colocavam na linha de frente para salvar os clientes.
Mas o mais interessante fica com o casal, formado por um americano casado e uma muçulmana rica. O que gera momentos que comentam sobre os preconceitos relacionados a esses atentados. Por ser dos Estados Unidos, ele vira um alvo fácil, enquanto ela é dada como terrorista por outros hóspedes apenas por causa da religião. Ao mesmo tempo, é o que permite, pela primeira vez, que os extremistas percebam que aqueles que matam também são humanos.
Nesse jogo esperto de diálogos e contextos para levantar essas questões, Maras e Collee, tratam toda a situação como um suspense bem orquestrado. É possível acompanhar, durante toda a projeção, onde estão todos os personagens, e os perigos em cada pedaço do caminho. Isso porque todas as partes do hotel são bem detalhadas.
Um grupo está preso no último andar, outro no restaurante abaixo, no meio do caminho há escadas principais e de emergência, além do saguão principal. Para complementar, Maras filma tudo com um estilo documental de câmera no ombro. As imagens tremem e sempre estão na altura dos personagens, o que faz com que o espectador se sinta no ambiente.
Assim, o momento em que o filme apresenta um massacre no lobby quando David tenta chegar ao quarto onde o filho bebê dorme, se torne ainda mais perturbador. O local, redondo, esconde alguns espaços atrás do balcão. Os que se encolhem lá para escapar se encolhem e tremem ao ouvir tiros próximo quando alguém mais morreu. E o público está lá, junto deles.
Outra característica técnica do filme que merece destaque é a direção de arte. Toda a ambientação da Índia é feita com esmero, mas além disso, os equipamentos usados pelos terroristas são cheios de detalhes técnicos que enriquecem os planos deles, mesmo que eles nunca precisem dizer nada.
Por fim, talvez o filme peque apenas por se afastar de comentários políticos sobre o evento. Mesmo que acerte por dar voz aos terroristas e não tratar eles como um mal absoluto, fica a impressão superficial de que os valores ocidentais são superiores e devem se destacar sobre os outros.
Mesmo que não fosse inspirado em fatos reais, já seria uma excelente sessão para quem busca apenas um suspense que segure a tensão do começo ao fim. Ganha ainda mais pontos por não seguir a cartilha fácil de bem e mal.
Há algo assustador na vida real. Algo que mexe com os nervos da população e faz com que milhares, talvez milhões, corram para TVs, jornais e internet para acompanhar notícias sobre assassinatos em massa e tragédias em lugares remotos. As pessoas se reúnem e mandam energias positivas de diversas formas para sobreviventes e vítimas.
Na mesma pegada, filmes como este Atentado ao Hotel Taj Mahal busca elucidar momentos cruciais de tais situações, e ainda levar o espectador para dentro dos eventos. Aqui, em específico, o público é levado ao hotel na Índia no dia em que vários locais de Mumbai foram atacados por terroristas.
Assim como a vida real, o objetivo do diretor Anthony Maras, junto com o co-roteirista John Collee, é fazer com que o horror tome conta dos cinemas. Não para acusar os terroristas, mas para mostrar todos os lados daquele dia, enquanto os funcionários do hotel tentavam salvar a vida dos hóspedes nas longas horas em que os extremistas rondavam os corredores do prédio.
Então a narrativa se divide em três núcleos principais: o garçom Arjun (Dev Patel), o casal mais rico Zahra (Nazanin Boniadi) e David (Armie Hammer), e os três terroristas. A escolha é fundamental para dar voz para todos os lados da história. Os algozes, apesar de assassinos e violentos, são vítimas de um sistema de lavagem cerebral. O funcionário serve de rosto para o bom serviço do hotel, cujos trabalhadores se colocavam na linha de frente para salvar os clientes.
Mas o mais interessante fica com o casal, formado por um americano casado e uma muçulmana rica. O que gera momentos que comentam sobre os preconceitos relacionados a esses atentados. Por ser dos Estados Unidos, ele vira um alvo fácil, enquanto ela é dada como terrorista por outros hóspedes apenas por causa da religião. Ao mesmo tempo, é o que permite, pela primeira vez, que os extremistas percebam que aqueles que matam também são humanos.
Nesse jogo esperto de diálogos e contextos para levantar essas questões, Maras e Collee, tratam toda a situação como um suspense bem orquestrado. É possível acompanhar, durante toda a projeção, onde estão todos os personagens, e os perigos em cada pedaço do caminho. Isso porque todas as partes do hotel são bem detalhadas.
Um grupo está preso no último andar, outro no restaurante abaixo, no meio do caminho há escadas principais e de emergência, além do saguão principal. Para complementar, Maras filma tudo com um estilo documental de câmera no ombro. As imagens tremem e sempre estão na altura dos personagens, o que faz com que o espectador se sinta no ambiente.
Assim, o momento em que o filme apresenta um massacre no lobby quando David tenta chegar ao quarto onde o filho bebê dorme, se torne ainda mais perturbador. O local, redondo, esconde alguns espaços atrás do balcão. Os que se encolhem lá para escapar se encolhem e tremem ao ouvir tiros próximo quando alguém mais morreu. E o público está lá, junto deles.
Outra característica técnica do filme que merece destaque é a direção de arte. Toda a ambientação da Índia é feita com esmero, mas além disso, os equipamentos usados pelos terroristas são cheios de detalhes técnicos que enriquecem os planos deles, mesmo que eles nunca precisem dizer nada.
Por fim, talvez o filme peque apenas por se afastar de comentários políticos sobre o evento. Mesmo que acerte por dar voz aos terroristas e não tratar eles como um mal absoluto, fica a impressão superficial de que os valores ocidentais são superiores e devem se destacar sobre os outros.
Mesmo que não fosse inspirado em fatos reais, já seria uma excelente sessão para quem busca apenas um suspense que segure a tensão do começo ao fim. Ganha ainda mais pontos por não seguir a cartilha fácil de bem e mal.
Foto: Divulgação.
Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Casal Improvável (Long Shot - 2019)
O gênero das comédias românticas sofreu muito. Depois que uma fórmula especial criou as namoradinhas da América, a mistura de estilos aos poucos perdeu o nicho com o encarecimento da arte e ingressos vendidos em maior número para produções de grande orçamento, ou mais “conceituais”. É uma pena, porque em boas mãos, é possível fazer um romance engraçado e que não sirva única e exclusivamente para ser um amontoado de sentimentalismo.
Em mais uma tentativa de revigorar o sub-gênero, Casal Improvável mostra o romance entre Charlotte Field (Charlize Theron), uma secretária de estado americana que pretende iniciar uma campanha eleitoral para se tornar a primeira presidente mulher dos Estados Unidos, e o redator de discursos dela, Fred Flarsky (Seth Rogen). Numa turnê em busca de um acordo internacional, os dois passam a trabalhar juntos e, apesar dos estilos opostos, se apaixonam.
Na verdade, a premissa em si não é inovadora. Homem desleixado e inseguro se envolve com mulher poderosa e que se encaixa em todos os padrões normativos de beleza. A diferença é como os realizadores abordam esse contexto. Não é sobre uma garota apaixonada que aprende o valor de um cara de bom coração. Ambos, tanto Flarsky quanto Charlotte têm qualidades e defeitos, e a “diferença de beleza” não é um problema para nenhum deles. O problema é a situação política e de trabalho dos dois.
De fato, o filme nem sequer questiona que uma mulher admirada pela beleza e pelo talento como a Charlize Theron poderia se interessar por alguém fora de forma, com roupas, barba e cabelo desgrenhados e famoso pelo humor voltado para drogas como o Seth Rogen. Apenas aceita a verdade de que é natural que as pessoas sintam atração por qualquer tipo de corpo e de personalidade.
O grande conflito que pode separá-los durante a história é justamente essa expectativa. Por ser uma mulher política, Charlotte precisa passar certas imagens pessoais para conseguir espaço para se expressar. Precisa ter o cabelo sempre impecável, com roupas elegantes, boa forma, discurso calmo, mas confiante. De qualquer outra forma, ela será encaixada em perspectivas machistas de que mulheres são loucas, frias, feias, descuidadas, ou qualquer outra coisa que não importam em homens.
Inclusive, espera-se dela um envolvimento romântico com um tipo galã, que certamente não corresponde a Flarsky. No entanto, ele compreende o lado humano dela aparte da imagem que ela é forçada a mostrar, e permite que ela se desligue da tensão constante do cargo. Mas ela também acrescente algo a ele, ao mostrar como o redator também tem preconceitos ao ser intolerante com tudo que ele considera incorreto.
E como tanto Rogen quanto Theron são excelentes atores, além de serem ótimos improvisadores, é fácil torcer pelo romance. Especialmente quando este é apresentado de maneira tão madura por duas pessoas que claramente apreciam um ao outro e crescem juntos. Aqui e ali, porém, o filme erra em algumas representações, como o concorrente bonitão do coração de Charlotte, que passa do galante e interessante para um bobalhão convenientemente para que ele saia de cena.
O diretor Jonathan Levine acerta a mão entre o equilíbrio da comédia, que nasce de sátiras políticas e do contraste entre os dois protagonistas, e a seriedade da relação entre eles. Usa aquela típica fotografia do gênero que busca embelezar e romantizar os momentos. Mas sabe dar espaço para os protagonistas passarem de uma discussão sobre moral na neve quando Flarsky se excede e joga um computador na neve, para admirarem juntos a aurora boreal.
O balanço também funciona pela união dos roteiristas Dan Sterling, com histórico de comédias pastelões, e Liz Hannah, de filmes com tons mais políticos. Assim, acertam nos dois aspectos que esta produção requer. É fácil de rir e de torcer pelo casal, e sem ser removido pelas besteiras que romances normalmente erram em colocar nas tramas.
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Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

MIB: Homens de Preto - Internacional (Men in Black: International - 2019)
A franquia Homens de Preto é guardada com muito carinho para fãs em todo o mundo. Normalmente atrelada aos atores Tommy Lee Jones e Will Smith, estrelas dos originais, é possível pensar em como diversificar a história com um mundo inteiro de agentes de alfândega interplanetários. Assim, a ideia é dar nova cara ao partir para a filial de Londres da MIB para aumentar a vida da marca nos cinemas.
É assim que a agente novata M (Tessa Thompson) estrela a nova aventura enquanto aprende os trâmites dos Homens de Preto na primeira missão. A novaiorquina é mandada para a Inglaterra e, ambiciosa, encontra uma maneira de se juntar ao herói local, H (Chris Hemsworth) em um caso diplomático. Mas um assassinato misterioso os coloca atrás de um grupo alienígena que pretende dominar o universo.
A missão deste filme é simples, fazer uma comédia de ação com elementos de ficção-científica para divertir e renovar a série milionária. É preciso mudar os atores principais, a cidade da história, mas sem perder a narrativa divertida que deu o tom da franquia e encantou pessoas e ainda garante certo charme depois de tantos anos.
Assim, caiu nas mãos de F. Gary Gray, um eficiente diretor de ação, reinventar os Homens de Preto. E ele entrega o que faz de melhor. Cenas de ação e caos bem resolvidas e dirigidas. Uma perseguição com uma moto alienígena em Marraquexe se destaca pela qualidade técnica. Os efeitos especiais são impecáveis, mas Gray faz questão de fazer com que a câmera se movimente nos closes dos atores, o que aumenta a impressão de que eles estão realmente lá, e não em uma grua em algum estúdio. Recurso de câmera simples e eficiente.
Em termos técnicos, o filme não deixa a desejar. Mas falta personalidade. Se tem algo que funcionou muito bem nos originais, é a capacidade do diretor Barry Sonnenfeld de construir uma mistura entre o bizarro de alienígenas com um charme da uma universalidade de sentimentos e dores entre todas as espécies intergaláticas. Gray não parece preocupado em trabalhar nada do tipo, apenas em reconstituir ao máximo o estilo do antecessor para manter o padrão da série.
Assim, aqui e ali usa de lentes de ângulos grandes para distorcer imagens abertas, especialmente com coisas que se movimentam do cenário para o primeiro plano. Da mesma forma, na direção de arte não tem algo próprio. Todas as armas, figurinos, cenários e até maquiagens dos alienígenas parecem quase ser uma homenagem aos filmes anteriores.
Em acréscimo a isso, a dupla de roteiristas Matt Holloway e Art Marcum criam uma trama de espionagem preguiçosa, cujas reviravoltas podem ser vistas muito antes de ocorrerem. A grande reviravolta pode ser percebida assim que os personagens relacionados entram em cena. Com uma história insossa, sobra para os atores segurarem a diversão das cenas.
Mas Thompson e Hemsworth sequer parecem levar o roteiro a sério. Ele, solto para improvisar e fazer piada em cena, parece estar brincando o tempo inteiro. Ela, por outro lado, tenta entregar uma atuação convincente. O problema de M é o roteiro que a trata como uma garota empolgada e com medo em um momento, para trocar a personalidade dela quando ela precisa se enturmar com H, por exemplo, para que os dois se tornem uma dupla.
Tudo isso somado, faz com que as cenas de ação não tenham peso, uma vez que a história não parece apresentar perigos de verdade e os personagens não criam empatia. Não dá para sentir medo por eles, assim como o filme se desenrola morosamente para o fim, em que todos os conflitos pessoais deles não são resolvidos ou aprofundados. Não se fala sobre os motivos para H ter mudado de personalidade, como todos os amigos dele repetem sem parar, nem sobre aprendizados ou questões de distanciamento de Molly. Eles apenas resolvem o problema galático e o filme acaba.
Infelizmente, Homens de Preto merece uma abordagem mais charmosa para o universo multicolorido e fantástico em que os personagens transitam. A nova abordagem nem parece interessada em fazer algo do tipo. Muito pelo contrário, Thompson e Hemsworth parecem fãs do primeiro filme que usam cosplay para fazer uma bela homenagem, mas vazia.
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Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

X-Men: Fênix Negra (Dark Phoenix - 2019)
A franquia X-Men é uma das que mais divide os fãs de quadrinhos, de filmes, de super-heróis e da mistura de todas essas coisas. Desde o início, com o filme original de 2000, o público ou ama, ou odeia os filmes do grupo de mutantes. A Fox, também, foi uma das poucas produtoras a fazer séries internas e relacionadas com os personagens fora da Marvel como estúdio. E agora que ela é da Disney, este filme engavetado desde o ano passado, quando foi concluído, chega para dar adeus, ou reforçar esta versão.
Populares entre os humanos devido aos eventos do filme anterior, os X-Men respondem ao chamado do presidente dos Estados Unidos para salvar um grupo de astronautas da NASA em uma missão que dá errado. Durante, uma entidade cósmica assume o corpo de Jean (Sophie Turner), que redescobre traumas do passado e perde o controle. Agora o grupo se divide, enquanto a humanidade entra em pânico mais uma vez.
A saga da Fênix Negra nos quadrinhos é uma das mais adoradas pelos fãs dos heróis, e já ganhou uma versão (um filme horrível) para os cinemas na trilogia original dos X-Men. Depois da revisão temporal com os novos atores, o mesmo roteirista daquele filme, Simon Kinberg, volta para tentar organizar a bagunça. A intenção é dar um rumo adequado para a franquia nos cinemas depois do afastamento de Bryan Singer.
Porém, não é preciso olhar longe para a carreira de Kinberg para notar que ele não é um roteirista de mãos cheias. E isso se reflete no que este Fênix Negra tem de pior, a trama e os desenvolvimentos dela. Se por um lado ele sabe o que os conflitos de Jean e dos amigos dela tem de mais interessante – os traumas de uma garota com distúrbio de personalidade e as culpas que os conhecidos dão ou não a ela -, por outro, o realizador parece não saber algumas coisas básicas de narrativas.
Vide a ótima abertura deste filme, em que filma com eficiência o acidente de trânsito que matou os pais de Jean. É possível entender os medos e anseios da menina, e assim, simpatizar por ela quando adulta. Logo em seguida, ele apresenta a cena descrita na sinopse em que os X-Men vão para o espaço. A premissa é tão absurda que até os filmes do Deadpool, que fazem parte da franquia, parecem obras de ficção científica de apuro extremo.
É nesses limites em que Kinberg tramita. Entre excelentes momentos como os questionamentos morais de Hank McCoy/Fera (Nicholas Hoult) sobre vingar ou ajudar, ele coloca uma cena que não condiz com o resto do filme, como a trama paralela de alienígenas. Eles não são coerentes nem com eles mesmos durante a história. Em certo ponto, eles têm um tipo de poder. No próximo, têm outros.
Por isso, assistir o filme é uma experiência tão estranha. Em um momento, o que ocorre na tela pode indicar um fim ótimo. No outro, tudo desaba em defeitos inquestionáveis. E o pior é que Kinberg parece ser um excelente diretor. Ele escolhe uma abordagem visual diferente de tudo o que a franquia viu até aqui, com câmeras próximas e enquadramentos que fazem parecer que o espectador está no meio das cenas.
Mesmo assim, ele sabe usar a montagem para que a ação não fique confusa. Toda cena de Fênix Negra é compreensível, mesmo com câmera tremida. Combinado com os efeitos especiais e algumas imagens belíssimas compostas pelo diretor de fotografia Mauro Fiore, o resultado é um apuro técnico impressionante. Fiore garante que os rostos em close não apenas exprimam as emoções dos personagens, como contem as histórias deles nas cenas.
Além disso, os efeitos especiais nunca foram tão verossímeis. Aliados com o tom mais íntimo das filmagens, a ação parece mais bruta e violenta. E também aumenta os riscos de cada momento. Com isso, Fênix Negra se torna o filme dos X-Men com algumas das melhores cenas de ação entre as 12 produções lançadas até o momento.
Por outro lado, a direção de arte abraça totalmente a falta de coerência do diretor. Para dar o tom de ave de rapina para Jean, ele escolhe que ela esteja sempre de sobretudo. Mesmo quando as peças não fazem sentido. Coloca os vilões alienígenas sempre elegantes e com roupas de gala, como uma composição etérea que passa a sensação de falsidade. Outras coisas esquisitas aparecem nos objetos em cena, como um x que brilha com LED nas costas da cadeira de Charles Xavier (James McAvoy). Uma aberração quando se considera que a história do filme se passa em 1992.
Mesmo que os atores tentem entregar o melhor trabalho possível ao roteiro bipolar, as incoerências fazem com que o clímax pareça a abrupto. De repente, os conflitos entre eles, que eram tão interessantes, são deixados de lado a favor de uma trama paralela boba e que não convence desde o começo.
Quando termina, Fênix Negra deixa uma sensação mista. Por um lado, não entedia e até carrega até o fim com uma cadência boa entre boas cenas. Por outro, é impossível não se incomodar com as baboseiras que Kinberg coloca no meio da trama. Já foi revelado que a produção do filme foi um pesadelo, com problemas nas filmagens, entre os atores, e até com a mudança de estúdios. Mas é difícil dizer o quanto isso influenciou nos inúmeros problemas de um filme que parece ter uma estrutura e uma ideia boa por baixo de incoerências demais.
Foto: Divulgação.
Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Na sombra do colosso (Godzilla II: Rei dos Monstros – 2019)
Quando se fala em filmes de monstros gigantes, a grande referência que vem à mente é Godzilla. Criado em 1954, com o filme que leva o nome dele, o personagem é um dos maiores ícones da cinematografia japonesa e carrega consigo uma tradição do tipo que raramente recebe o devido respeito em países ocidentais. Até o lançamento de outro filme intitulado Godzilla em 2014.
Depois da destruição do Havaí, de Las Vegas e de São Francisco no filme anterior, a humanidade busca compreender as criaturas gigantes (agora chamadas de titãs), onde elas estão, como podem ser mortas, e quantas são. À frente disso tudo, está a empresa Monarch, que os investiga desde a década de 1970, e um grupo de ecoterroristas, que acreditam que os titãs são o meio natural da Terra de se curar dos humanos.
Assim, fica nas mãos de Michael Dougherty, diretor e roteirista da vez, de dar continuidade à história e ao estilo iniciado em 2014. Ou seja, ele tem que fazer um filme que retrate o Godzilla como uma relação da humanidade com o planeta, na tendência que o monstrengo sempre seguiu nos filmes japoneses, e ainda ser um grande espetáculo de ação e efeitos especiais.
O que faz a escolha do realizador compreensível. Além de um eficiente diretor de horror e ficção-científica (são de Dougherty os filmes Contos do Dia das Bruxas e Krampus: O Terror do Natal), ele sabe trabalhar com grandes produções (roteirizou filmes de super-heróis como X-men 2), e ainda é um grande fã das versões japonesas do Godzilla.
Por isso, ele traz para acompanhar o lagartão, os três monstros mais populares da franquia: Rodan, Ghidorah e Mothra. Além de colocar o compositor Bear McCreary para adaptar os temas clássicos do Godzilla e da Mothra para versões orquestradas que seguem o estilo épico da produção. É um festival de serviços voltados aos fãs do material original, até as fadas da ilha Infant são referenciadas no filme.
Ao mesmo tempo, Dougherty tem noção de que o universo dos estúdios Toho envolvem um diálogo difícil com o público americano, o que rende inúmeras piadas através do filme sobre as características mais "bizarras". Num dos melhores momentos, um personagem zomba do formato de Rodan ao compará-lo com um personagem da Vila Sésamo.
Na estrutura de roteiro, a narrativa segue muito do padrão do filme de 2014, com o foco no grupo de humanos que seguem as criaturas e tentam ajudá-las ou combatê-las. Os cientistas e militares da Monarch, liderados pelo casal Mark (Kyle Chandler) e Emma Russell (Vera Farmiga) e pelo doutor Serizawa (Ken Watanabe) se desesperam e buscam salvar o mundo, enquanto explicam por meio dos diálogos o que acontece em tela para o público.
Algumas exposições soam repetitivas e desnecessárias. Especialmente quando alguém comenta algo que os titãs acabaram de fazer em cena. Em certo ponto do clímax, um dos monstros ataca outro com brutalidade, e um personagem faz piada dizendo que ele foi sobrecarregado. O humor das falas quase nunca faz rir e descaracteriza cientistas que deveriam levar as coisas mais a sério.
A pior parte fica quase sempre por parte do personagem Mark. Por ser o protagonista humano do filme, sempre percebe as coisas antes dos outros e parece mais inteligente e eficaz até que os militares. É uma daquelas tentativas de fazer uma pessoa parecer mais sagaz ao fazer com que todo mundo ao redor ser mais lento (o que é absurdo em um contextos de cientistas).
Na filmagem, Dougherty também segue parte da estética do filme anterior. Com foco nos humanos na ação, as imagens dos monstros gigantes são feitas de planos na altura das pessoas em cena. À medida em que as sequências abrem mãos dos personagens menores para seguir as lutas dos titãs, a câmera abre e fica em níveis mais altos, para assumir os pontos de vista dos bichões. Desse estilo, se destacam dois planos longos em que personagens humanos correm no meio das brigas dos monstros a câmera os segue enquanto os cenários digitais se destroem ao redor.
Para a iluminação, o diretor aproveita a bioluminescência dos gigantes para criar padrões de cores que ditam quem são os heróis e os vilões. Quando algo está errado, ou há intenções de destruição, tons quentes como o vermelho e o laranja ditam as cenas. Para os monstros do bem, em especial Godzilla e Mothra, as cores azuis tomam a tela.
É um espetáculo para agradar os fãs originais e apresentar as criaturas para novas audiências. Há beleza de sobra nos enquadramentos, nos designs, e até nas batalhas de larga escala. No entanto, é possível que Godzilla e o estilo japonês do monstro seja mais lento para públicos ocidentais. Especialmente porque Dougherty aproveita a produção para discutir a relação entre humanos e o planeta.
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Vinícius Brandão produz o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Shazam! (2019)
Billy Batson (Asher Angel) é um órfão de 14 anos que vive à procura insaciável de sua mãe biológica. As atitudes do personagem ao longo da vida sempre foram egoístas e interessadas apenas na missão que ele mesmo se impôs.
Fugir das famílias que sempre o tentaram adotar virou hobbie, por acreditar que sua mãe também estaria do outro lado à procura dele depois de, acidentalmente, tê-lo perdido num parque de diversões quando mais novo.
Sem se encaixar definitivamente no perfil que um mago misterioso (Djimon Hounsou) buscava para ganhar os poderes mágicos, Billy se torna o escolhido e encarna o herói Shazam (Zachary Levi) todas as vezes que grita seu nome.
O universo cinematográfico da DC Comics já foi muito conhecido por ter um tom mais sombrio nos enredos comparado à Marvel Comics. Entretanto, desde o filme da Liga da Justiça, vemos uma mistura maior entre o sombrio e o cômico, e até de maneiras sutis e mais bem encaixadas do que a concorrente.
Tal feito retorna em Shazam! O longa consegue ter uma trama mais séria, mesmo nas entrelinhas, do que na expectativa do escritor desta crítica! (baseado no que vimos nos trailers). Tudo aqui se trata da descoberta da responsabilidade existente em relação a um “dom” cedido ao protagonista.
O modo imprudente e cômico presente na maneira de encarar a nova realidade de Billy somado ao constante peso na consciência que ele carrega ao fazer um ato passível de julgamento, enriquece demais os momentos vividos na pele de Shazam. Seja quando o personagem não vai a um encontro marcado com seu amigo, sem ter obrigação nenhuma de ir, mas que ajudaria o colega. Como quando, antes de se tornar o herói, se arrepende quase instantaneamente de não retribuir o carinho da nova irmã.
Tudo é construído de maneira a crer que, mesmo que Billy não fosse a pessoa mais indicada para aquela jornada, de fato, ele carrega consigo a sinceridade. O que é colocado no filme como, talvez, a maior dádiva que um ser humano pode ter. Evidenciado na cena que o mago passa os poderes ao garoto.
Mas claro, nem tudo parece ter sido tão bem calculado. A DC tem nas mãos a possibilidade de ver onde a Marvel mais cometeu seus erros e mudar. Parece não ser de interesse do estúdio. A explicação dada do porquê a “representação de vilão” pode ser tão preocupante para o mundo é patética. Sem peso.
É algo tão superficial que se contado em uma crítica não será spoiler. No passado, quando o “vilão” foi solto ou surgiu, trouxe muitas desgraças a terra. Então você quer me dizer que o nazismo, talvez, um dos maiores maus que já estiveram presentes no planeta se deu por conta daquele vilão apresentado?
E, mesmo que a resposta seja sim, os seres humanos conhecem muito bem o vilão do filme. Pode acreditar no que digo aqui. Não me parece que ele esteja muito aprisionado como mostrado.
A motivação para existir um Shazam é colocada em segundo plano. Traz consigo uma história de origem de herói péssima, mas uma história de descoberta e transformação de um ser humano bem legal de se assistir. Por conta das grandes metáforas expostas com o mundo real e banal, como por mostrar a maneira mais provável que uma pessoa com falhas reagiria ao receber uma grande responsabilidade que mais parece uma diversão.
Em relação ao elenco, pode-se gerar uma certa estranheza ao vermos o herói, versão adulta de Billy, nas primeiras vezes. Mas, entende-se rapidamente que se trata quase que um corpo de adulto e uma mente de um adolescente. Elemento que justifica muito do humor empregado em algumas situações.
Shazam! Não traz inovações na história. Acerta na transformação de nosso protagonista e comete o erro, que já é corriqueiro demais de origem superficial do herói. Muito provavelmente porque o estúdio pensa em abordar isso em outros filmes de todo o universo. Até como forma de união narrativa.
Todavia, precisamos de um resgate a um pensamento, perdido ao longo do tempo, de construir uma trama mais independente de universo. Embora sabemos que exista um universo por trás. Os X-mens dos anos 2000 e os filmes do Homem-aranha de Sam Raimi faziam isso muito bem.
E, mesmo assim, existiam ganchos em elementos presentes na jornada do herói, vilão ou algum personagem específico para futuras continuações.
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João Victor Bachilli escreve para o site Aquela Velha Onda, parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.
Duas Rainhas (Mary Queen of Scots – 2018)
Com a cerimônia do Oscar, acaba a temporada de premiações. E junto com ela, chegam os filmes que foram esnobados nas categorias, mas que claramente foram feitos para concorrer, como este Duas Rainhas. Certamente, não se trata da primeira leitura cinematográfica sobre a rainha escocesa, Maria Stuart (Saoirse Ronan, uma atriz que nunca decepciona), que conseguiu sobreviver à coroa britânica num jogo de poder que durou décadas. Talvez seja a primeira comandada por uma mulher.
A diretora Josie Rourke, junto com o roteirista Beau Willimon, busca a história da rainha desde o momento em que ela voltou da França com 18 anos depois de um casamento arranjado feito para que o irmão pudesse governar, até o exílio forçado na Inglaterra após vários golpes de estado para destituí-la.
Em meio a inúmeras reviravoltas políticas, os realizadores demonstram interesse, em particular, na relação dela com a rainha inglesa Isabel I (Margot Robbie, surpreende com tamanha austeridade e vulnerabilidade). A escolha é fundamental porque as duas, devido às posições políticas, seriam inimigas, mas são forçadas a criar uma espécie de sororidade diante do contexto patriarcal virulento em que ambas vivem.
Essa talvez seja a parte mais interessante do texto adaptado de livro do autor John Guy. Cada personagem com algum nível de poder no filme tem um interesse pessoal, o que faz com que apenas as duas sejam as mulheres que façam parte das tramas palacianas. Isso porque apenas rainhas teriam poder sobre homens. E mesmo assim, observadas avidamente pelos que as cercam.
Assim, cada fala ou decisão dos personagens envolve algum tipo de tramoia para conseguir algum objetivo secundário. Às vezes, por meio de casamentos, por gravidez planejada, pela abertura a diálogos com representantes de religiões e, no caso das duas, por sentimentalismo.
É onde entra a parte que talvez seja a mais incômoda do filme. Tanto Maria, quanto Isabel I, vivem pelas regras da sociedade machista em que nasceram, e por isso parece haver uma representação de que apenas elas têm sentimentos. Enquanto os homens ao redor são brutamontes que não se apaixonam ou sentem algo. Com exceção dos dois homossexuais que aparecem no enredo.
As duas personagens escolhem métodos diferentes para lidar com a política ao redor. Maria se permite ser “feminina”, o que o roteiro parece querer usar como paralelo com o fato de que ela podia engravidar, enquanto a outra era infértil. Por isso, Isabel I escolhe ser como um homem. Fria, distante e sempre escondida por uma máscara de maquiagem. O que conduz para os finais das duas.
Para isso, Rourke usa toda a técnica para contrastar o mundo de ambas. Isabel I vive em uma Inglaterra fria e dentro de muros, distante das cores da natureza, sempre com roupas e adornos que parecem esconder a pessoa. Enquanto Maria é rodeada por cores quentes na luz, e com maior saturação nos vestidos. Ela também é vista constantemente em situações mais banais e descontraídas, com as amas e amigas.
Em uma cena em particular, quando Maria tem o primeiro filho, os enquadramentos espelham os tecidos sujos de sangue nas pernas dela, enquanto Isabel I tem apenas costuras elaboradas de vermelho. Um reflexo de que ela inveja as capacidades naturais da colega e parente.
Duas Rainhas é um filme curiosamente feminista, de escrita ferina, em que cada diálogo esconde dualidades complexas. Por isso mesmo, é divertido ver os jogos políticos e a sagacidade dos personagens. Infelizmente, se alonga demais próximo do terceiro ato, e perde a oportunidade de construir antagonistas mais interessantes para as duas mulheres fortes que lideram a produção.
Foto: Divulgação.
Vinícius Brandão é autor do site Aquela Velha Onda e parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Capitã Marvel (Captain Marvel - 2019)
Em certo ponto de Capitã Marvel, a nova heroína da empresa que carrega o mesmo título que ela alça voo e é observada por uma menina inspirada pela força e poder daquela mulher. Sim, esse é mais um filme de super-herói que demonstra representatividade. Mas ele não é panfletário, como a maioria tentaria ser.
Não é preciso fazer muito esforço para fazer com que a história da guerreira da espécie alienígena Kree chamada Vers (Brie Larson) se encaixe como representativa. Ela é apenas a segunda mulher protagonista de um filme de super-heróis desde o início desse universo da Marvel em 2008 (o outro é da concorrente Warner/DC). E os realizadores, cientes disso, fazem a história ser sobre isso, sem ser evocativa demais.
Porque Vers, aos poucos, descobre ser Carol Danvers, piloto de caças da força aérea americana que foi levada ao espaço sideral para ser treinada como Kree. Como não tem lembrança disso, não sabe o que é a personalidade própria. Ela é a humana que não lembra ser, ou a guerreira interplanetária?
É um clichê antigo, mas aqui serve a essa dualidade. Ela é super pelo lado extraterreno, mas tem resiliência incomum por ser humana. Mais do que isso, até. Por ser uma mulher em uma sociedade machista. Mas a produção não precisa explicar nada disso. É óbvio.
Então, quando ela aparece como parceira e amiga de Maria Rambeau (Lashana Lynch), é possível ver pelos diálogos trocas divertidas de uma amizade antiga. Além disso, pequenos apoios de uma para a outra quando o mundo parece conspirar contra elas. Muita coisa é dita com pouco. Justamente por isso, o discurso não atrapalha o ritmo e a mensagem principal. Na verdade, engrandece a ambos.
Outra coisa que realça isso é a escolha de Brie Larson para viver Danvers. A atriz, que começou a carreira com papeis mais debochados (vide a excelente participação em Scott Pilgrim contra o Mundo), consegue transitar da comédia obrigatória da Marvel para a grandiosidade de uma personagem que precisa se impor contra as adversidades e se erguer heroína.
O humor, mais uma vez, tem foco nas situações estranhas que surgem do lado fantástico da história, como quase todas as trocas sobre o gato Goose ser ou não um monstro alienígena, ou uma série de piadas sobre um cientista que não pensou em certas coordenadas espaciais.
A Marvel também se garante no espetáculo. Os efeitos entram em cena para fazer com que o uso de poderes sirva para o visual. O que funciona especialmente com a Capitã Marvel, cujas habilidades envolvem rajadas de brilho e de energia. Um dos destaques inquestionáveis é o rejuvenescimento de atores em diversos filmes do estúdio. Aqui é a vez de Samuel L. Jackson como um jovem Nick Fury.
Assim, se apresenta um roteiro que usa da estrutura para contar a história da personagem, criar características de empoderamento feminino sem que isso roube a trama principal, e que ainda é divertido por meio de comédia, de ação e de efeitos visuais. O que prende o espectador do começo ao fim.
Incomoda apenas a necessidade constante do roteiro de criar reviravoltas em sequência durante a trama principal. Ocorrem, pelo menos, umas três mudanças de índole de personagens. O que é confuso e rapidamente faz com que o espectador até deixe de se importar com aqueles em que deveria depositar as preocupações. Mas nem isso ofusca a boa qualidade geral da produção.
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Vinícius Brandão é autor do site Aquela Velha Onda e novo parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Chefs criam menus exclusivos para festival gastronômico
Experimentar o que há de melhor nos restaurantes mais badalados de Brasília a preços que cabem no seu bolso é uma ideia possível e uma oportunidade imperdível. Até o dia 3 de março, Santé 13, Taypá, Nikkei, Villa Tevere, Authoral e outros seis ótimos restaurantes participam do Festival Boa Mesa (confira a relação completa em @festivalboamesabrasilia).
Eu fui conferir o delicioso menu preparado pelo Villa Tevere para o festival e posso dizer que foi um enorme prazer. Como entrada do Menu JK, um salteado de vieras e linguiça de pernil com melado e purê de batata doce. Como prato principal, um risoto negro de filé de camarão, alho porró e lagostins fritos e para completar o menu uma sobremesa de creme de Amarula com laranjas confitadas de comer rezando.
Cada restaurante participante criou menus com entrada, prato principal e sobremesa com nomes que fazem alusão à cidade. O contemporâneo Santé 13, por exemplo, estará com dois menus durante o festival, o Tesourinha R$ 69,00 e o Catedral R$ 92, sempre no horário do almoço. O premiado Taypá apostou no menu JK de R$ 115. Já o Nikkei entrou com o Menu Catedral (R$ 92,00) no almoço e jantar.
O festival é uma ótima dica para quem valoriza os prazeres da boa mesa e tem curiosidade de experimentar pratos criados por chefs renomados da cidade.
Michelle Maia é jornalista e editora da Se7e Cultura
O Peso do Passado (Destroyer – 2018)
Na correria das premiações de começo de ano, alguns filmes ficam de escanteio nas categorias principais, mas chamam a atenção em coisas específicas. É o caso deste O Peso do Passado, que rendeu muitos elogios e apostas para a interpretação da Nicole Kidman. Mas, é só um filme de personagem?
A protagonista, Erin (Kidman), é uma policial alcoólatra e decadente que recebe uma mensagem de Silas, um inimigo pessoal do passado. A partir disso, ela parte em busca do criminoso sem ligar para regras ou para a possibilidade de ser presa. Ao mesmo tempo, relembra aos poucos de quando se infiltrou na gangue do bandido 16 anos antes com Chris (Sebastian Stan), um agente do FBI.
As duas tramas paralelas conduzem, sempre sob a perspectiva da detetive, até as grandes revelações finais. O que faz com que o filme se encaixa claramente no gênero policial, mas o todo fala sobre a personagem, na verdade. É um estudo sobre as motivações e as ações dela nas duas condições da vida.
E é onde a diretora Karyn Kusama acerta inicialmente ao colocar Kidman como Erin. A personagem é um reboco de gente destruída pelo tempo e por si mesma. Ela manca em todas as cenas e parece estar entre duas realidades: a dos momentos que vive, e da embriaguez. E a atriz se despe de qualquer vaidade para demonstrar isso.
Em certa cena, ela deixa claro que não se importa com as consequências de matar alguém porque não faz diferença se vai sobreviver ou não. E é possível ver esse desprezo pessoal no olhar e no comportamento cuidadosamente planejado pela atriz. O que é reforçado pela extraordinária maquiagem, que a faz parecer muito mais velha em uma trama do que na outra.
Kusama também acerta ao usar a montagem e os estilos de filmagem para simular a passagem de tempo como a perspectiva de alguém embriagado. A diretora faz com que cenas comecem com a tela tomada pela cor da pele de Kidman para depois revelar que a cena é subjetiva e mostra o despertar dela depois de desmaiar no carro.
Essa sensação de lerdeza e de crueza permeia a obra e condiz com o que Kusama e os roteiristas Phil Hay e Matt Manfredi querem passar por meio da história. Uma jornada dentro do mundo podre e doentio de Erin depois de ter cruzado caminhos com o doentio e deturpado Silas (Toby Kebbell). Como isso a destruiu, e ela destruiu tudo o que conhecia a partir disso. Ninguém é bom ou mau, apenas pessoas que querem se cuidar e atingir seus objetivos pessoais.
Trata-se de um filme sujo, pesado, violento. Mas isso é importante, pois a vida de Erin e o mergulho que ela faz dentro de si, do passado, e dos erros, é tão feio quanto. Daquelas produções que deixam os espectadores com sensações ruins ao sair do cinema, mas pelos motivos certos.
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Vinícius Brandão é autor do site Aquela Velha Onda e novo parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Como Treinar o Seu Dragão 3 (How to Train Your Dragon: The Hidden World – 2019)
Quando a franquia Como Treinar o Seu Dragão teve início em 2010, tomou o mundo de surpresa como todas as características do filme são encantadoras. Desde as relações entre todos os personagens, passando pelos próprios, e chegando até a mensagem de quebra de padrões e estereótipos. Não à toa, este terceiro e último filme chega cheio de expectativas.
Um ano após Soluço (voz de Jay Baruchel) e Banguela se tornarem os líderes de Berk e dos dragões respectivamente, eles descobrem que uniões de vikings nas proximidades continuam a caça pelos animais para formar um exército.
O melhor caçador deles, Grimmel (voz de F. Murray Abraham) quer caçar o último fúria da noite e inicia os ataques à aldeia pacífica. Isso tudo enquanto o dragão descobre uma fêmea por quem se apaixona, e o humano precisa lidar com a superlotação dos bichos na vila.
Como se trata do terceiro capítulo de uma trilogia planejada para terminar neste filme, Como Treinar o Seu Dragão mantém todas as características técnicas e temáticas que tornaram os dois anteriores tão apaixonantes.
O diretor e roteirista Dean DeBlois retorna para fechar a história com a mesma estrutura narrativa. Berk e a vida da dupla de protagonista é apresentada, assim como o conflito principal. Um mistério é revelado aos poucos até que as coisas chegam ao pior momento, quando Soluço é apoiado pelas figuras femininas na vida dele para encontrar as possíveis soluções.
Chega a ser previsível por ser a terceira vez que a fórmula se repete, mas o que DuBlois faz com a soma dos três filmes e com o protocolo é impressionante. Ele usa a estrutura para fechar um ciclo completo sobre guerra, paz, liderança, união, masculinidade tóxica, humanidade e muitos outros conceitos fortes.
Apesar de terem histórias fechadas em si, os três filmes são uma história conjunta sobre paz. O primeiro é sobre a quebra de estruturas sociais para alcançá-la, o segundo, sobre situações em que ela é impossível, e este, sobre os sacrifícios necessários para a mesma. É algo muito parecido com o que outra trilogia da Dreamworks Animations fez antes, Kung-Fu Panda.
DeBlois também mantém a inventividade de continuar a aumentar o universo dos dragões com ainda mais características envolventes a serem descobertas sobre os bichos fantásticos. Desde os comportamentos até as origens. O que é reforçado pelo extraordinário da equipe de design de artes de sete pessoas.
O universo é belo pelos detalhes que contam a história. Desde as escamas de dragão usadas pelos residentes de Berk para fazer as armaduras, até as diferentes espécies dos répteis, que variam e misturam diferentes tipos de animais reais. Aqui é mostrada uma nova que tem características de escorpiões.
Essa riqueza de visuais, capturada pelo chefe de layouts Gil Zimmerman e com assessoria do diretor de fotografia Roger Deakins resulta em enquadramentos de grande beleza que contam a história ao mesmo tempo. A iluminação joga sombras para indicar as vontades e os segredos dos personagens em cena. Um dos destaques é o primeiro encontro de Soluço com o vilão no filme, tomado por um cenário em chamas que esconde ou revela os rostos deles quando é necessário.
Sem contar, é claro, com a qualidade técnica do estúdio de animação. Certa panorâmica sobre uma catarata parece realmente uma imagem filmada de helicóptero sobre uma queda d’água. Os líquidos, tecidos, peles e escamas parecem de verdade, e não um monte de zeros e uns.
O compositor John Powell também retorna para dar continuidade aos temas da série que se tornaram tão popular desde o primeiro filme. A melodia de escala épica criada por Powell mantém o tom carinhoso e grandioso dos anteriores.
Ao término da sessão, será fácil ouvir fungadas na sala de cinema. Fazer chorar por si só não é sinal de qualidade para um filme, mas o como e o por quê do choro. E Como Treinar o Seu Dragão 3 traz mais do que fez com que os anteriores funcionassem tão bem, uma história carregada de carinho e qualidade. O choro é quase tanto pelo fim da série, quanto pelo que ocorre neste final.
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A Esposa (The Wife – 2018)
Após ser chamada de Jean, Joan Castleman (Glenn Close) apenas rebate: “Não se preocupe. Não tem importância.” A resposta dada em prontidão reflete toda a vida da protagonista no casamento com Joe (Jonathan Pryce). Elegante, educada, quase uma secretária do marido, e apagada. Não é apenas uma esposa troféu, mas retrato do que uma sociedade voltada para o patriarcado faz com as mulheres.
Ele foi chamado para receber o prêmio Nobel de literatura na Suécia. Na viagem, são acompanhados pelo filho David (Max Irons) e seguidos pelo autor de biografias Nathaniel Bone (Christian Slater). O grupo e a situação levantarão os fantasmas das vidas passadas dos Castleman.
Logo no início, há um incômodo crescente na relação apresentada pelo diretor Björn Runge quando o casal recebe a notícia da nomeação. A vida dos dois é mostrada com naturalidade, como pessoas normais, mas é possível ver nas reações dela a todas as animosidades dele uma tristeza contida.
Em todas as cenas, o diretor e a roteirista Jane Anderson criam momentos em que Joan precisa esconder uma angústia por ser apenas a esposa de um grande romancista, o que pode ser bastante repetitivo. Quando o foco não é essa construção, é o desvendar do passado dos dois. Cinquenta anos antes, Joan era uma ambiciosa aluna de Joe.
Passado e futuro são mostrados em paralelo até chegar ao final do filme, quando as duas linhas narrativas revelam parte do que os realizadores querem refletir. Joan suporta vários abusos por parte de Joe através da vida, mas ela também compreende as dores e motivações dele. E o ama acima de tudo isso.
A condução é quase teatral, uma vez que a história se desenrola por meio dos diálogos dos personagens em ambientes fechados. E Runge faz com que câmeras estáticas reforcem a sensação. No entanto, é na direção de arte e em pequenas alegorias que ele usa a linguagem cinematográfica para contar a história.
Os cenários e figurinos são tomados das cores vermelhas e azuis, com uso do vermelho quando as relações entre as pessoas são de aproximação. O azul toma o ambiente quando há distanciamento. Em ocasiões, as tonalidades dividem os enquadramentos e separam os personagens na tela.
A melhor alegoria do filme se encontra com um poema recitado por Joe inúmeras vezes no decorrer da história. Ele narra a tristeza e o valor da vida com a noção da queda da neve. O fenômeno natural, no fim do filme, será um reflexo da vida dele com Joan.
Close e Pryce protagonizam diálogos inteligentes em cena. Nas trocas, eles se amam e têm problemas ao mesmo tempo, como em todos os relacionamentos reais. Ela, no entanto, rouba todas as cenas em que aparece por esconder o desconforto constante da personagem com rápidas torcidas nos lábios e leves giros de cabeça. É possível ver o cérebro da personagem por trás de cada fala, e é mérito da atriz.
Um conto sagaz e atual sobre relacionamentos, sobre como o machismo poda mulheres na sociedade, e sobre uma personagem poderosa, mas forçada a esconder tanta força por trás de um papel social.
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Assunto de Família (Manbiki Kazoku – 2018)
Assunto de Família chega aos cinemas repleto de expectativas, com o prêmio da Palma de Ouro do festival de Cannes de 2018 e a indicação de filme estrangeiro para o Oscar. Além de ser o novo longa do diretor veterano Kore-Eda Hirokazu, que gosta de retratar
problemas das diferenças sociais através de relações familiares.
Aqui, ele acompanha um grupo de indigentes que divide um lote em Tóquio. Um dia, encontram Juri (Miyu Sasaki), uma menina com fome em uma varanda de uma casa, e a levam para o local em que vivem. Quando a levam de volta para os pais, descobrem que
eles a detestam, batem nela e brigam constantemente entre si. Então decidem ficar com ela.
O ato é discutido rapidamente entre o casal principal, Osamu (Lily Franky) e Nobuyo (Ando Sakura). Eles acreditam que não se trata de um sequestro por não terem pedido resgate. Essa ignorância por trás do crime revela as inúmeras irregularidades escondidas por aquelas pessoas naquela casa.
As crianças não vão para a escola e nem recebem qualquer tipo de educação formal. A renda é dividida entre roubos ensinados por Osamu para os menores, por uma pensão da idosa proprietária do lote, por um emprego que explora o corpo da neta dela, e por
pequenas chantagens aqui e ali.
No entanto, a educação emocional é de primeira qualidade. A “família” ensina à menina que amor é demonstrado por carinho, e não por castigos físicos. Ela chegou a sofrer queimaduras por parte dos pais verdadeiros.
É nesse contraste entre as relações humanas calorosas e próximas com as expectativas sociais de status e cuidados que o filme analisa os diferentes tipos de responsabilidades de cidadãos e quais são as mais punidas. E é onde o estilo de Hirokazu mais se adequa à narrativa.
Ele é um diretor que segue uma noção de naturalidade máxima nos filmes, com luzes que buscam verossimilhança e câmeras estáticas em cantos dos cenários. É como se o espectador espionasse os momentos íntimos dessas pessoas. No roteiro, Horikazu faz
com que as interações deles sejam de pessoas que se conhecem bem o suficiente para se provocarem quando falam a sério entre si. Tudo com carinho.
Um dos melhores momentos é quando Osamu e Nobuyo ficam sozinhos em casa e aproveitam o tempo para fazer sexo. Nus, discutem a possibilidade de uma segunda transa enquanto brincam com a noção de ele a ter feito gozar ou não. O que só funciona
graças ao despreendimento dos atores, que brincam entre si como se fossem conhecidos antigos.
Aos mesmo tempo, eles revelam as necessidades de carinho de cada personagem. O que leva a uma cena belíssima em que a neta busca intimidade com um dos clientes que a visitam com frequência porque não tem contato com ninguém em casa.
Em especial, as crianças revelam bem este equilíbrio. Mais uma demonstração do trabalho de direção de atores de Horikazu, que sempre arranca boas interpretações de menores em seus filmes.
Trata-se de um belo e delicado filme, que mostra pequenos desequilíbrios familiares com naturalidade. O que os torna mais potentes quando colocados em choque. No entanto, o diretor faz com que a duração da produção se alongue mais do que o necessário, o que causa algum cansaço. Nada que comprometa a qualidade.
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Lembranças de Waterworld (Máquinas Mortais – 2018)
Dizem as más línguas que o George Lucas zombou da adaptação de O Senhor dos Anéis do Peter Jackson ao dizer que apenas a empresa de efeitos especiais Industrial, Lights & Magic, dele, seria capaz de fazer os filmes. Jackson ficou em silêncio e respondeu apenas com os sucessos da trilogia nos anos seguintes. Por alguma ironia, hoje ele está em uma situação muito semelhante à de Lucas.
É a sensação com o lançamento deste Máquinas Mortais, em que cidades e prédios se locomovem com rodas enormes pelo mundo devastado após uma guerra apocalíptica. O que restou de Londres aborda pequenas construções para aderir cidadãos e recursos. Nessas condições, uma desconhecida mascarada chamada Hester Shaw (Hera Hilmar) tenta matar Thaddeus Valentine (Hugo Weaving), um dos líderes londrinos.
Quando ela é impedida pelo londrino bem intencionado Tom Natsworthy (Robert Sheehan), os dois são expulsos da cidade e precisam dar um jeito de voltar e atrapalhar a construção de algum tipo de invenção de Valentine. A sinopse é muito mais complexa do que a estrutura da produção, que não pretende ser mais que uma fantasia de aventura cheia de efeitos especiais e ação espetaculosa.
Chega a ser surpreendente o quanto a estrutura deste filme é redonda e fechada em si, quando se leva em consideração que é uma adaptação de uma franquia de livros com várias sequências. Todas as histórias de todos os personagens, assim como os conflitos e problemas são fechados antes do fim da projeção.
Por outro lado, o trio de roteiristas Fran Walsh, Philippa Boyens e Peter Jackson é também parte do que mais remove o espectador do filme no decorrer dele. Apesar de construírem enredos e narrativas fechadas para cada personagem, eles fazem com que os contextos do universo em que a história acontece seja cheio de buracos.
Logo no começo, dois personagens discutem uma guerra entre as cidades móveis e uma nação que decidiu se manter estável. Em certo ponto, alguém comenta: “Eu sou contra pessoas que impedem o progresso.” Mas não é explicado em nenhum momento do filme porque fazer com que as cidades se movimentem é útil.
Na verdade, é contraprodutivo. Por não estarem paradas em um lugar, elas não têm produção própria de matéria-prima, o que as força a predar outros edifícios e comércios. Essa mesma incoerência eventualmente se encontra na trama principal do filme, como a motivação de Valentine. Quando chega ao clímax, é possível ver todos os defeitos no plano grandioso dele.
Mas nada disso importa, porque o diretor de primeira viagem Christian Rivers não quer necessariamente fazer um filme sem falhas, mas duas horas que passam rápido e divertem. É onde o melhor dos efeitos especiais dos estúdios Weta entra em cena. A grandiosidade de uma metrópole em movimento é traduzida para a tela com verossimilhança. O que, por si só, é um espetáculo.
Para isso, ele mistura estéticas steampunk com art deco. Com isso cria uma noção de invenções futuristas com base em tecnologias ultrapassadas. Assim, os cenários ficam repletos de detalhes curiosos e interessantes sobre aquele mundo, ao mesmo tempo em que possuem uma beleza típica do início do século XX.
Para engrandecer ainda mais os cenários, Rivers usa lentes abertas, que chegam a distorcer os ambientes para pegar a maior parte deles. O que funciona, mas não é suficiente para contar a história. Ele concentra mais em closes nos atores para deixar que as interpretações deles façam com que a narrativa se desenvolva.
Mas como ele não tem muita experiência com a parte de pós-produção, parece que ele esquece de filmar imagens de ambientação. Não é incomum os personagens reagirem a uma explosão e o corte mostrar uma construção que desaba. Assim, parece que algo foi perdido na montagem.
Pelo menos os atores sustentam os dramas. E como os roteiristas se deram ao trabalho de dar até aos coadjuvantes conflitos interessantes, os intérpretes têm a oportunidade de prender a atenção. Pelo menos os melhores deles, como Weaving, capaz de engrandecer e de dar humanidade até ao vilão mais estereotipado, como Valentine.
Tanto que os veteranos do elenco engolem os protagonistas desconhecidos. São todos jovens e belos, mas inexpressivos. E não ajuda o fato de que eles são os que têm menos personalidade e conflitos interessantes. A heroína, Hester, é forte e decidida até ficar confusa e se colocar constantemente em perigo para que alguém a salve.
O que salva aqui é o objetivo principal: espetáculo. Máquinas Mortais é cheio de detalhes sobre um mundo interessante e rico em contextos que despertam curiosidade. Mas não consegue deixar de ser um fábula sem originalidade e coerência. E efeitos especiais já não impressionam como antigamente. Ainda é uma sessão divertida de ação e visuais bonitos.
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Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: IntotheSpiderverse – 2018)
Quando o Stan Lee morreu, muitos exaltaram os heróis que ele criou. O mais famoso deles provavelmente é o Homem-Aranha. O que pouco se falou, porém, é a razão para o sucesso desses personagens. O que faz com que o cabeça de teia seja um dos mais populares da cultura popular? E é exatamente ao fazer a pergunta que esta animação acerta.
Desta vez, quem a história acompanha não é Peter Parker (voz de Chris Pine), mas o adolescente Miles Morales (voz de Shameik Moore). Ele foi picado por uma aranha e adquire os mesmo poderes do Homem-Aranha. Sem saber o que fazer, recebe ajuda de Peter B. Parker (voz de Jake Johnson) e de Gwen Stacy (voz de HaileeSteinfeld), homens-aranhas levados até lá de outras dimensões.
É uma confusão porque pega justamente um dos ciclos de histórias mais estranhos do herói nos quadrinhos, o tal aranhaverso. Poderia dar muito errado com vários protagonistas e tramas sobre múltiplas dimensões, mas o foco aqui é Morales e a jornada dele para entender o que significa ser Homem-Aranha.
Cada um deles tem sua história pessoal trágica, Peter B. Parker envelheceu e perdeu as pessoas que mais ama. Gwen perdeu o melhor amigo. Outras três versões populares dos quadrinhos aparecem, mas servem mais como alívio cômico que como personagens com conflitos. Mesmo assim, as histórias desse sexteto aracnídeo são apenas um fundo para a de Morales.
Tantos personagens geram alguma confusão e fazem com que o roteiro seja difícil de acompanhar. Especialmente quando se leva em consideração o fato de que é um filme de super-heróis em animação, o que deve levar muitas crianças para o cinema. Não será surpreendente se os menores acharem a trama complicada.
Homem-Aranha é mais que uma pessoa que anda pelas paredes e solta teia pelos pulsos, é a motivação para um indivíduo colocar a vida em risco. É o que faz com que o título seja tão grande e popular. E é o que os roteirista Phil Lord e Rodney Rothman entendem muito bem. Morales não é um Homem-Aranha, mas sabe que tem a responsabilidade de assumir o título.
O protagonista, inclusive, dita a estética do filme. Morales é um garoto negro de Nova Iorque. Então o filme imprime as cores e estilos urbanos não apenas na cidade, mas nos cortes e nos efeitos. Com a liberdade dada pela animação tridimensional, o trio de diretores Bob Persichetti, Peter Ramsey e o próprio Rothman coloca balões, onomatopeias e textos na tela para passar a linguagem dos quadrinhos.
Porém, eles criaram uma nova tecnologia para reforçar o visual. Quanto mais desfocados, mais os objetos têm deformidade de cores como em gibis com problemas de impressão. As variações nas tonalidades incluem pontos, como nas histórias em quadrinhos. Além disso, a quantidade de quadros por segundo contam com pequenas quebras que dão a noção de passagem dos quadrados da nona arte.
No meio dessas quebras e dos títulos, os diretores incluem detalhes de pichações e grafite, para dar o tom de Morales à história. Além disso, a trilha sonora orquestrada composta por Daniel Pemberton mistura toques eletrônicos e hip-hop.
O resultado alcança o ápice no momento em que Miles aprende o que deve ser capaz de fazer. Instrumentos de sopro dão o ar heróico, as batidas eletrônicas ditam ritmo acelerado de ação, e a canção What’sUpDanger, do rapper Black Caviar, aumenta a sensação de triunfo. É um dos melhores momentos musicais e cinematográficos do cinema de super-heróis.
Para todos os fãs do cabeça de teia, adaptar o aranhaverso para os cinemas era uma péssima ideia, mas o que foi realizado acerta justamente no que a maioria dos filmes do herói erram. O que faz com que o título Homem-Aranha seja tão adorado e enaltecido está em cada segundo da jornada de Morales.
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Não é incomum que pessoas argumentem a favor de um filme ao dizer que a produção os fez chorar. No entanto, fazer alguém chorar é fácil, basta apontar algo que mexa com certas emoções e remoer isso. Pode ser um cachorro moribundo, uma criança com câncer ou qualquer coisa do tipo. A diferença está em como se explora o melodrama. E Gus Van Sant dá uma aula disso neste A Pé Ele Não Vai Longe.
Seria fácil seguir o caminho do melodrama com a história real de John Callahan (Joaquin Phoenix), um alcoolista que sofre um acidente de carro e se torna paralítico. Agora, sem o movimento do peitoral para baixo e com dificuldade de usar as mãos, ele percebe que precisa largar o vício em bebida e participa de um grupo apadrinhado por Donny (Jonah Hill) enquanto explora o potencial de artista como cartunista.
E Van Sant acompanha essa jornada pessoal através dos famosos 12 passos dos alcoólatras anônimos. Para quem não sabe, é uma lista com 12 coisas que o viciado deve fazer no processo para viver sem a droga. A diferença é que o diretor escolhe apenas seguir as situações sem reforçar o drama com músicas tocantes e closes em
rostos sofridos.
Além disso, o título já deixa claro como é a perspectiva de Callahan em relação à própria condição. Trata-se de uma piada em uma das tirinhas dele, na qual um grupo de policiais caça um cadeirante e encontra apenas a cadeira. O xerife diz o nome do filme. É quase cruel, mas também é um jeito de se permitir rir do que não se tem controle.
E assim, entre humor negro e muito sofrimento, Callahan aprende a ser positivo em relação à própria vida. Não é preciso explicar isso detalhadamente. Sant escreve uma cena em que o protagonista percebe que a vida, mesmo preso na cadeira, é melhor que a de uma pessoa sem deficiências, mas ainda presa aos vícios. Nada de grandes epifanias com músicas emocionantes. É apenas natural.
Para isso, o diretor e roteirista (com base em livro de Callahan) faz as cenas como se fossem filmadas por um documentarista da época em que o personagem passou pelos 12 passos. Assim, as imagens têm um forte granulado na fotografia e a câmera é tremida. Como se o cinegrafista tentasse acompanhar quais as coisas importantes a serem filmadas no momento em que elas ocorrem.
Nesse sentido, Van Sant direciona os atores para interpretações naturalistas. Mesmo em grandes brigas ou quando se perdem nas próprias tragédias, eles são capazes de rir de si mesmos. Como todo mundo é capaz na vida real. Daí entra o ótimo trabalho de Phoenix, que muda os trejeitos de bêbado para sóbrio e de pessoa sem deficiência para uma com. Isso sem deixar de fazer com que o personagem seja o mesmo em todas as situações.
Hill está em uma fase ótima. Como comediante, ele serve bem à perspectiva de Donny de brincar com a situação em que vive, mas sem perder a tristeza do personagem por trás do riso. Outro destaque é uma ponta do Jack Black como outro alcoólatra que sobrevive ao mesmo acidente de Callahan. Ele sabe fazer as extravagâncias de um bêbado que quer farrear, e a tristeza do dia seguinte, quando está sóbrio.
Se tem um problema no filme, é a montagem, que transita entre situações extremamente diferentes e deixam o espectador confuso. Callahan, em uma cena, discursa para uma plateia sobre as superações da vida que conduziu, para na próxima estar no ápice do alcoolismo. Chega a demorar para entender, em todos os momentos da primeira metade do filme, se ele está sóbrio ou bêbado.
Como história, a de Callahan não é comum, mas existe em um mundo ordinário. E Van Sant sabe que é assim que deve contá-la. As conquistas e superações são extraordinárias, mas existem apenas ali dentro da casca normal do personagem e não ressoam com a mesma grandeza para outras pessoas. E isso torna tudo ainda mais impressionante e significativo.
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Bumblebee é um marco na franquia Transformers. É o primeiro live- action que é dirigido por outra pessoa além de Michael Bay, assim como é a estreia de um spin-off para a marca, e a única que muda de tempo ao se afastar da atualidade. O que já indica algo que até o estúdio já percebeu, a série entrou em desgaste. A dúvida é se essa continuação, prequência, reboot, ou o que você quiser chamar é bem sucedida.
Durante a guerra civil no planeta cybertron, os rebeldes autobots perdem uma última batalha e fogem para procurar um novo lar, enquanto são perseguidos pelos opressores decepticons. O soldado Bumblebee (dublado por Dylan O’Brien) é destacado para iniciar uma base na Terra na década de 1980, mas perde a voz e a memória na chegada. Desesperado, ele assume a forma de um fusca e para nas mãos da adolescente Charlie (Hailee Steinfeld).
Um monte de déjà-vu ocorre ao espectador que acompanhou a série nos cinemas. A trama é basicamente a mesma do primeiro filme, com a diferença de que o robô vai para uma garota, ao invés de um garoto. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma amizade com um ser diferente que transforma a vida de um menor de idade traz inúmeros filmes à mente (sendo E.T., dirigido pelo produtor executivo deste, Steven Spielberg, o grande pioneiro do tipo de narrativa).
Clichês, por si só, não são negativos. O problema é a repetição, mas quando um diretor ou um roteirista acerta, o clichê revela porque virou um estereótipo. Neste caso, a graça é ver como Charlie aprende a lidar com o luto da morte do pai e seguir adiante devido ao convívio com o carismático robô alienígena.
É onde o novo diretor Travis Knight (cuja experiência anterior está inteiramente em animações de stop-motion) revela o valor de sair da estética de Michael Bay. Apesar de contar a mesma história do primeiro filme, não há ângulos constrangedores em corpos de adolescentes, nem imagens de pores de sol impossíveis ou incoerentes, nem humor gratuito em cima de estereótipos racistas.
Muito pelo contrário, Knight aproveita do melhor que a computação gráfica pode pagar para criar planos inventivos nos quais a câmera transita atrás de Charlie nas cenas enquanto Bumblebee muda de forma. Então o fusca vira um robô enquanto as engrenagens dele giram ao redor da tela.
Assim, ele cria dinamismo nas cenas sem precisar abusar de imagens grandiosas desnecessárias. Também abre mão da verossimilhança na animação para que Bumblebee consiga se transformar muito mais rápido que nos filmes anteriores e que nem sempre seja possível acompanhar onde cada peça vai entre as duas formas. Isso serve para piadas relacionados às tentativas de Charlie em esconder e proteger o amigo, e ainda aumenta a sensação de fantasia da aventura.
No entanto, Knight não abandona completamente a noção de mundo construída por Bay. O mundo ainda é tomada por cores quentes durante o dia, com céus claros e pessoas com roupas curtas para curtir o verão. De noite, holofotes dialogam com a grandiosidade dos robôs e da ação. É um filme Transformers, e é um filme de autoria do diretor ao mesmo tempo.
Onde Knight tem problemas, infelizmente, é na cenas de ação. Com os ângulos inventivos, ele normalmente torna difícil entender as lutas dos robôs além dos montes de engrenagens que mexem de lá para cá. E o roteiro de Christina Hodson tem muitas qualidades relacionadas aos personagens e as jornadas de cada um, mas esquece de dar personalidade para Bumblebee e é mais longo do que deveria ser.
Esse interesse nas pessoas ganha muito com um elenco afinado. Steinfeld já se provou inúmeras vezes como uma grande atriz e consegue conversar com o companheiro digital em cena com uma naturalidade impressionante. O mesmo pode ser dito de Jorge Lendeborg Jr., intérprete do amigo e possível interesse romântico de Charlie, Memo.
Ele ainda tem a vantagem de ter desprendimento para ser um alívio cômico que faz rir da falta de jeito ao tentar, em quase todo enquadramento, se aproximar de Charlie fisicamente sem deixá-la desconfortável. E John Cena faz bem o que tem feito com a carreira de ator recente, ao tentar dar honestidade para cada cena em que atua. Infelizmente, é o ator com maior dificuldade na hora de interagir com os fundos verdes.
Bumblebee conseguiu o que nenhum filme de Transformes alcançou até o momento, aquela sensação gostosa de uma aventura divertida e oitentista. Para satisfazer os fãs de Spielberg, do Brad Bird, do George Lucas, do Robert Zemeckis e vários outros que acertaram a mão no estilo.
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Vinícius Brandão é autor do site Aquela Velha Onda e novo parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

A primeira reação ao ver o nome da Keira Knightley em mais um filme de época foi questionar se era mais uma produção em que ela assume uma heroína romântica ou trágica, como nas três parcerias com o diretor Joe Wright. Mas a expectativa se prova falsa rapidamente. Não apenas porque o comando fica por conta do inglês Wash Westmoreland, mas pelo que este Colette realmente é.
Principalmente porque a mulher real que dá nome ao filme, Sidonie Gabrielle-Collete (Knightley), protagoniza uma história curiosíssima sobre o papel das mulheres na sociedade. No primeiro casamento, com o escritor Willy (Dominic West), ela descobriu com as desculpas dele para infidelidade a liberdade para ser o que quisesse, mesmo que tivesse que enfrentar os valores sociais da Inglaterra na transição dos séculos IXX a XX.
Nas mãos de realizadores mais fracos, Colette seria um drama de tribunal ou uma análise sobre o processo criativo da escritora, mas o que importa para os roteiristas Richard Glatzer, Rebecca Linkiewicz e o próprio Westmoreland é a transformação.
Colette começou como uma garota vitoriana que apenas queria casar e ser dona de casa e, com o passar dos anos, se tornou um ícone feminista, uma das escritoras mais importantes da França, e alguém disposta a romper com o esperado. O fato de que os primeiros livros dela foram publicados pelo marido em segredo para vender mais como ele diz, é fundamental, mas não é a força motriz da trama.
Assim, Willy se torna um personagem importantíssimo. Representante da alta classe, ele não consegue não trair a esposa. Quando ela descobre e questiona, ele não promete que não vai dormir com outras mulheres, mas que não vai mentir sobre isso. Ela então, segue o caminho lógico de que pode dormir com outras pessoas.
O argumento dele é que os homens têm, por natureza, a necessidade de fazer sexo com várias mulheres. Com as falácias que um espectador atual facilmente percebe, ela cresce, ao invés de se deixar reprimir. Nesse caminho, o roteiro constrói as situações aos poucos, até que a Colette na tela não é mais a mesma que o espectador conheceu no começo. E acompanhar isso é extraordinário.
Ainda mais com a dupla de atores principais. Knightley sempre foi eficiente, mas aqui ela revela uma faceta diferente. Menos introvertida e mais confrontadora, mesmo que ainda não se destaque. Principalmente ao lado de West, que aproveita a falta de bom senso de Willy para pular, gritar e brincar com estereótipos de homens vulneráveis à própria insegurança.
Westmoreland dirige com eficiência e sutileza. Quando Willy compra uma casa para Colette, o diretor os coloca em espaços separados do enquadramento, como se ela fugisse dele. No entanto, o ator se movimenta pelo cenário e sempre a alcança. Como um reflexo de que ela sabe que deve se afastar, mas ainda se sente apegada ao marido.
Outros detalhes nos figurinos também chamam a atenção. Como o uso constante de preto por Willy e de cores claras por Colette. No entanto, quanto mais ela se envolve nos esquemas e trejeitos dele, mais detalhes escuros ela ganha. Quanto mais ela se afasta, mais limpos ficam os tecidos.
O resultado é um excelente filme questionador. E que choca quando se percebe que os erros sociais apontados continuam atuais. Nada melhor que a história para ensinar, certo? Ainda mais com uma obra divertida e que não segue pelos mesmos caminhos de sempre. Infelizmente, poderia abordar melhor a persona de Willy, mesmo que isso seja compensado pela interpretação de West.
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Texto de Renaro Cardozo
Começarei este texto de uma forma diferente. Antes de entrar nos comentários sobre o filme Aquaman, explicarei minha incredulidade com os longas da Warner Bros./DC Films. Desde que foi criado o Universo Estendido DC (DC Extended Universe no original), as produções dividem opiniões, alguns amam, outros detestam. Eu estou no segundo grupo.
Em 2013, fui cheio de expectativas assistir ao Homem de Aço, o primeiro filme desse universo compartilhado nos cinemas. Entendo que eles queriam fugir da chamada fórmula Marvel (estilo padrão das histórias contadas pelo estúdio da rival nos quadrinhos, Marvel Comics, dona da franquia dos Vingadores, entre outras), mas erraram a mão. Enquanto a Casa das Ideias, apelido da concorrente, produzia películas coloridas com uma mão pesada no humor, a DC quis apostar em quadros escuros e praticamente eliminar a comédia do seu mundo.
O problema é que esse recurso narrativo não funciona com a maioria dos personagens da DC adaptada para a telona. Mas não dá para creditar meu desgosto ao assistir a esses longas apenas a isso. Os roteiros também foram bem fracos. Não que os filmes da Marvel tenham grandes histórias, mas a dosagem certa principalmente de ação e humor, e elencos bem carismáticos fizeram e fazem toda a diferença.
Porém, algumas mudanças no comando da DC Films a partir de 2016 fizeram o estúdio rever essa decisão. Em Mulher-
Maravilha (2017), os espectadores receberam um filme mais colorido e engraçado em comparação aos anteriores do universo compartilhado.
Por que dei todas essas explicações? Para deixar claro quando digo que Aquaman é um acerto da DC Films. Mas não vá ao cinema esperando um Logan (2017) nem mesmo um Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016). Vá ao cinema esperando um longa divertido como os da rival, que utilizam bem a fórmula Marvel.
Na história, passada após os eventos de Liga da Justiça (2017), temos Arthur Curry, o Aquaman (Jason Momoa), sendo chamado para assumir o trono de Atlântida. Filho da rainha Atlanna (Nicole Kidman) com um homem da superfície, Arthur é a única chance de evitar uma guerra entre humanos e os reinos subaquáticos. Para ajudá-lo na sua jornada do herói, temos a princesa Mera (Amber Heard) e o conselheiro Vulko (Willem Dafoe).
Uma história simples, porém, bem contada (para os padrões já citados) pelo diretor australiano James Wan. Sim, o mesmo que trouxe Invocação do Mal, Anabelle e todo esse universo. Mas que mostrou que entendia de cenas exageradas de ação em Velozes e Furiosos 7 (2015).
Nas suas mãos, Momoa e Amber até funcionam juntos, protagonizando boas cenas de ação e humor. Deixo claro que
funcionam dentro dos limites desse tipo de filme.
Quanto aos vilões Orm (Patrick Wilson) e Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), têm certo desenvolvimento, você entende os motivos do ódio deles, não são apenas maus e ponto. O que, para mim, já ganha pontos. E as atuações estão muito boas.
Sobre os efeitos de computação, deixam a desejar em algumas cenas, mas, no geral, estão bons, principalmente nos cenários de Atlântida, que ficou majestosa.
Em relação às cenas de ação, muitas são acompanhadas de momentos impactantes dos personagens, o que fará muito fã do herói vibrar na cadeira. Outro motivo de comemoração dos seguidores do Aquaman nos quadrinhos são os visuais, que estão bastante fiéis aos da nona arte.
Por fim, após anos sendo motivo de piadas, o rei dos mares, enfim, ganhou uma aparição digna de respeito.
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Regras existem para serem quebradas. Há quem acredite que isso se aplica especialmente ao cinema, como conceitos de enquadramentos, movimentos de câmera, montagem ou de roteiro. Um dos mais embasados na produção mundial é o da estrutura de cinco atos, com prólogo, início, meio, fim e epílogo. Mas, quando serve à mensagem e à história, essa norma deve ser quebrada.
É o que o diretor e roteirista Dan Fogelman busca com este A Vida em Si. É difícil até tentar explicar o que é a sinopse do longa. Ele acompanha dois casais com problemas de relacionamento, os americanos Will (Oscar Isaac) e Abby (Olivia Wilde) e os espanhóis Javier (Sergio Peris-Mencheta) e Isabel (Laia Costa) e os dois momentos em que as histórias deles se cruzaram.
Dizer apenas isso talvez possa até ser falar demais. Porque Fogelman divide o filme em duas partes, cada uma com seu ciclo narrativo fechado, para que ambas contem uma história como um todo. Primeiro do casal em Nova Iorque, e depois do casal em outro continente. Mas isso é importante dentro das reflexões que o realizador quer levantar.
Com um histórico de filmes e séries melodramáticos e lineares, ele abre este A Vida em Si com um amontoado de surpreendentes experiências narrativas. Os primeiro cinco minutos são narrados pelo Samuel L. Jackson, que aparentemente apenas lê o roteiro, com direito a falas como “Fade-in para texto. Capítulo 1.”
O que parece uma loucura auto-consciente e referencial ao Quentin Tarantino logo se revela como uma tentativa de Will em escrever um roteiro de curta-metragem que resuma as angústias dele. Então diversos aspectos daquela cena inicial são reflexos de um passado traumatizante que o espectador, e o protagonista também, desconhecem.
O trauma o impede de lembrar da verdade e a história a revela à medida em que ele se lembra em uma consulta com a psicóloga doutora Cait Morris (Annette Benning). Cada flashback é descrito em voice-over pelo personagem, que observa a cena junto com a terapeuta em cena. Aos poucos, as reviravoltas explicam como Will se tornou tão depressivo e traumatizado.
Essa estrutura de direção e de narrativa é forte e conduz bem o filme, até que a verdade é revelada e a história muda para o casal espanhol. Mesmo pequenos problemas como o fato de que Will não tem personalidade além do amor por Abby não incomodam quando ele é interpretado por um ator tão carismático e honesto quanto Isaac.
Mas, na Espanha, os experimentos narrativos são jogados fora e Fogelman parece disposto a abraçar o melodrama abertamente. Isabel e Javier são importunados pela presença constante do chefe dele, Saccione (Antonio Banderas), que tem mais dinheiro e, aparentemente, menos escrúpulos. A relação vira um triângulo amoroso até interessante, mas que não dialoga com a primeira metade do filme.
No contraste, fica até chato. E a falta de profundidade dos personagens se mantém. Javier é só um cara focado na vontade de fazer o que é certo, a ponto de não perceber que pode fazer o mal ao impor isso sobre a esposa. Os dois têm interpretações belas, mas Banderas ofusca qualquer pessoa nessa parte do filme ao trabalhar com pequenos trejeitos do antagonista. Desde uma olhada de canto para analisar alguém, até as reviravoltas no caráter do papel que interpreta.
De uma primeira hora interessantíssima e rica, A Vida em Si desanda com uma segunda metade que até é boa, mas freia o ritmo e arranca o espectador do universo do filme. Pior ainda com a coincidência absurda da mensagem final, que parece um devaneio de criança, ao invés de um filme que quer falar sobre uma epifania de vida. Para os fãs de melodrama, no entanto, é um prato cheio com direito a muito choro. Se for o caso do leitor, leve um lenço.
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Essas dez pessoas da imagem acima constituem o elenco principal de Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindewald. Sim, são dez personagens com conflitos desenvolvidos em começo, meio e fim em um filme de pouco mais de duas horas. Na continuação da retomada de uma das maiores franquias cinematográficas. Parece confuso?
Seis meses após o primeiro filme, Grindelwald (Johnny Depp) foge da prisão quando é transferido. Ciente que o antigo amigo e agora inimigo vai para a França para encontrar Credence (Ezra Miller), Dumbledore (Jude Law) pede para que Newt Scamander (Eddie Redmayne) visite o país e encontre o garoto antes. Lá, eles encontram outras pessoas em busca do menino poderoso.
Já na sinopse ficam claros dois dos maiores problemas desta produção: o fato de que o protagonista Scamander não tem ação dentro da narrativa, e que a roteirista J. K. Rowling está mais interessada em contar algo além dos eventos do filme. E é fácil notar como esses dois problemas são previsíveis quando se fala do décimo produto da franquia Harry Potter nos cinemas.
De forma bem simples, Os Crimes de Grindewald é uma peça de uma história. O que não necessariamente é negativo. Rowling tem noção de que o filme deve funcionar individualmente e faz um excelente trabalho ao criar uma condução que leva a um clímax eficiente. Tudo na história serve ao terceiro ato, desde as tramas paralelas, com todas as mil e uma reviravoltas, até uma conspiração relacionada diretamente aos verdadeiros protagonistas dessa nova franquia, chamada de Animais Fantásticos.
O que requer também uma mão eficiente de David Yates, o diretor. Já veterano do universo de magia (este é o sexto filme da série que ele conduz), ele sabe fazer com que o ritmo da ação e da montagem acelere até o grande conflito final, quando toda a conspiração criada por Rowling é revelada de maneira bombástica, o que funciona para atiçar o fã fervoroso de Harry Potter.
Por outro lado, para aqueles que não conhecem nada da saga, muitos dos eventos do filme passam quase desapercebidos. Isso porque, todo mundo está conectado. É incrível que uma história que se desenrole por três países tenha peso emocional para um grupo de pessoas conhecidos. É como se o mundo inteiro girasse ao redor de quatro ou cinco pessoas num fluxo de coincidências estapafúrdias.
Especialmente Newt, Tina (Katherine Waterstone), Queenie (Alison Sudol) e Jacob Kowalski (Dan Fogler). Se o quarteto era a alma e o coração do primeiro Animais Fantásticos, eles não passam de coadjuvantes neste. Porque, como o filme precisa dar andamento ao grande conflito que deve ocorrer na quinta parte, sobra pouco espaço para eles. E esse pouco espaço é utilizado em algumas das cenas mais mal escritas do longa.
Tina e Newt, supostamente o par romântico principal da nova franquia, têm poucas cenas juntos. E apenas uma fora de ação, quando eles discutem um desentendimento tão bobo que parece algo criado por uma criança. Já o outro casal, Queenie e Kowalski, tem um ciclo muito mais interessante, com direito a um final surpreendente que reflete a maior qualidade do filme: o discurso do vilão.
Ao contrário de Voldemort, um monstro criado da falta de amor, Grindewald fala sobre empatia. Ele não quer matar por ódio puro e aberto, mas por uma racionalização dele. Ele é carismático e o que prega realmente toca o coração daqueles que o escutam. Um retrato de como o preconceito pode se vestir de coisas belas para ter a liberdade se agredir. O que também faz com que a maldade dele seja mais perversa.
Yates e Rowling garantem um espetáculo digno do que se espera da franquia. Os efeitos especiais fazem com que tudo pareça real, desde o animal mágico mais grandioso até um truque pequeno de varinha. Mas além disso, é como eles usam a tecnologia.
O mundo de Animais Fantásticos é coerente dentro de uma iluminação soturna típica de Harry Potter, e mistura o extraordinário da magia com coisas banais, como uma sessão em um ministério em que estantes vitorianas se movem sozinhas. O que também é belo visualmente.
Infelizmente, o filme sofre do mesmo mal de inúmeras adaptações para o cinema, ele não se sustenta sozinho. Para ter um mínimo de compreensão do que acontece é preciso ter visto o primeiro. Para compreender todas as tramas, é preciso ter visto todos os Harry Potter. Para pegar detalhes até, é preciso ter lido os livros.
Nesse sentido, chega até a ser bobo como Rowling e Yates parecem piscar para os fãs com as inúmeras referências gratuitas a cada um dos oito filmes do bruxo com cicatriz na testa. Para uma produção que se permite discutir temas mais adultos, a ingenuidade dos realizadores incomoda. No entanto, ainda é um espetáculo divertido e que prende. Principalmente para quem entender tudo o que acontece na tela.
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Hoje em dia, quando se fala do estilo blaxploitation, o que vem à mente são as referências do Quentin Tarantino, os filmes do Shaft, ou a atriz Pam Grier. Restrita a uma época específica, a estética existe acima do visual e das músicas, mas também na valorização da população negra. E, felizmente, este Infiltrado na Klan se encaixa bem na descrição.
Ele acompanha o policial novato Ron Stallworth (John David Washington, um achado) após ele ligar para um anúncio da Ku Klux Klan no jornal local e marcar um encontro com os representantes do grupo. Como Stallworth é negro, o parceiro judeu Flip Zimmerman (Adam Driver, que empresta a estoicidade comum dele para um homem dividido entre o profissionalismo e a revolta) precisa se passar por ele.
A proposta, por mais absurda que pareça, é adaptada de livro escrito pelo Stallworth real. Um dos representantes da KKK no filme, inclusive, apareceu em noticiários brasileiros recentes após elogiar as ideologias de um candidato eleito das últimas eleições. E o diretor, Spike Lee, transita entre a dualidade do material original. O horror do racismo, e a comicidade da estupidez por trás do preconceito.
É por isso que Lee mostra os personagens “racionais” em ambientes descontraídos. Zimmerman e Stallworth brincam com a ideia de que o homem que encontra os preconceituosos é fisicamente judeu e negro em origem, mas não conseguem evitar o sentimento de revolta ao confrontarem de frente pessoas que os odeiam sem lógica. Mais ainda, quando descobrem o nível de periculosidade desses indivíduos.
Para isso, os roteiristas Charlie Wachtel, David Rabinowitz, Kevin Willmott, e o próprio Lee, dividem as cenas em extremos opostos. Em momentos, zombam abertamente dos racistas ao expor racionalizações estúpidas, como a propriedade do presidente da KKK, David Duke (Topher Grace, que serve mais uma vez ao papel do homem ignorante à própria pequenez), em achar que é capaz de reconhecer pessoas negras pelo jeito de falar.
Em outros momentos, o humor some para dar espaço para a tensão dos personagens que sofre abusos. Numa das cenas mais tensas, Patrice Dumas (Laura Harrier, surpreendentemente poderosa e raivosa após a patricinha adorável do último Homem-Aranha), possível interesse amoroso de Stallworth, é assediada por policiais brancos durante uma batida. É quase um reflexo do mundo real, onde as pessoas vivem calmas e sorriem durante a rotina, mas são forçadas a bater de frente com pequenos horrores diários.
Assim, Lee, usa e abusa do blaxploitation para criar as situações descontraídas, e desmonta tudo com um estilo cru e verossímil para os horrores. Não é difícil chutar que uns 90% dos personagens negros usam o famoso black power nos cortes de cabelo, com roupas que remetem fortemente à década de 1970, com muitas cores e colarinhos altos.
O diretor, inclusive, faz com que a montagem siga o ritmo de batidas de discotecas enquanto coloca sintetizadores na música incidental. Parece quase um videoclipe que engrandece a cultura afro dos Estados Unidos. Até que o preconceito do país bate neles de frente. Então as músicas param, a câmera abre os planos para que o espectador veja tudo o que acontece em cena.
Assim, a história é conduzida para um clímax de suspense em que todas as peças têm importância e o espectador se vê preso na cadeira enquanto torce para que aqueles ignorantes não machuquem personagens que são culpados apenas de viverem entre eles e querer direitos básicos.
E Lee, como não pode deixar de ser, faz questão de dar um ponto final pessimista para a história. Isso porque ele sabe que mesmo que a história se passe em um passado onde o racismo era mais aberto, ela ainda reflete preconceitos muito presentes no mundo atual. Mesmo que divirta do começo ao fim, é preciso lembrar o horror de então, e de agora.
P.S.: Lee aproveita para fazer uma merecida crítica ao primeiro filme narrativo da história do cinema, O Nascimento de uma Nação, aclamado pela importância da linguagem da arte, mas ainda uma das piores coisas feitas para as telonas.
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Entre os clássicos do Natal dos Estados Unidos, estão coisas estupendas como A Felicidade Não se Compra ou Duro de Matar. Na televisão, além desses, é obrigatório a retransmissão do desenho animado de 1966 Como o Grinch Roubou o Natal, adaptação do livro homônimo do Dr. Seuss. Com isso, a rabugenta antítese infantil do Papai Noel ganhou o imaginário popular relacionado à data.
O autor foi inteligente ao criar um personagem oposto ao natal para refletir os significados da data comemorativa. Cidadão recluso da Quemlândia, o Grinch (com voz brasileira de Lázaro Ramos) odeia as celebrações de fim de ano e decide roubar a festa dos conterrâneos.
Assim como o curta animado tem apenas 25 minutos, o livro tem menos de 70 páginas com pouco texto e muitas figuras. É uma história enxuta para mostrar para crianças que o Natal é mais que presentes e enfeites. Para encaixar em um longa-metragem, como ocorreu em 2000, com um live-action dirigido por Ron Howard e estrelado por Jim Carrey, é preciso rechear a trama.
Se na adaptação anterior foi construído um passado de rancor e preconceito por parte dos quens, a versão atual segue o caminho padrão dos estúdios Illumination: dar camadas e mais camadas de cenas de comédia visual. Para isso, os roteiristas Michael LeSieur e Tommy Swerdlow quebram os passos descritos em poucas linhas no livro em situações exageradas para o personagem.
Ele precisa de uma rena, então sai por uma nevasca, é atrapalhado por um bode montanhês que grita e afasta os animais, tem as roupas e os pelos congelados, depois é forçado a abandonar o único que encontra. Depois passa por penúrias para chegar ao trenó, além dos treinos com o equipamento, e por aí vai.
Apenas isso deve ocupar cerca de vinte minutos de projeção, que passa rápido para os que gostam do tipo de humor, e devagar para os que não gostam. Em cada situação, é colocado uma pequena demonstração dos valores do natal para que o espectador perceba antes do protagonista que ele, na verdade, não odeia as cerimônias.
Os diretores Yarrow Cheney e Scott Mosier aproveitam o humor visual para fazer com que a câmera viaje através dos cenários e, por vezes, de objetos. Então, quando o Grinch tenta jogar uma bola de neve gigante na árvore de natal da cidade e é arremessado por acidente, o espectador é arremessado junto e cai junto por entre os galhos.
Funciona dentro dos contextos das piadas, mas em muitos momentos o movimento é tão acelerado que, nos 24 quadros por segundo do cinema, as imagens ficam tremidas. Com isso, mesmo o trabalho técnico impecável que faz com que a neve, os líquidos e os pelos pareçam reais é perdido nos voos de câmera que apenas os mostra quebrados.
O Grinch não tenta enganar sobre o que realmente é: uma animação voltada para crianças com as mensagens que são tão queridas ao criador do livro. A meninada vai rir e se divertir com o protagonista verde enquanto ele quica, cai e brinca. Para os adultos, pode ser muito cansativo. Além disso, não há novidades ou nada mais profundo.
Nem mesmo em comparação ao outro filme do personagem. Como aquele representava um resquício do estilo que fazia sucesso na década de 1990 através da fotografia e do humor físico de Jim Carrey, este reflete os tempos atuais com adaptações de canções clássicas para o hip-hop com batida eletrônica e o humor físico dos minions.
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Um garoto, ao ver as notícias, ouvir histórias de parentes e as reclamações dos pais, pergunta para a mãe: “O que acontece se a população se revoltar e matar todos os políticos?” A resposta: “Teremos uma nação de assassinos.” O conto moralista não saía da cabeça enquanto rolava a sessão de O Doutrinador.
O primeiro “super-herói” brasileiro a ganhar os cinemas é Miguel (Kiko Pissolato), um policial de uma força especial que tem a filha morta por uma bala perdida e por não ser atendida em um hospital público por falta de profissionais no local. Isso logo depois de ele prender o governador da cidade por desvio de verba pública para a saúde.
Quando o político é liberado por habeas corpus, Miguel se mistura a uma revolta no palácio do executivo local e assassina o governador com uma máscara de gás para se proteger dos ataques da tropa de choque que protege o local. Assim, ele aproveita os meios ilegais que assumiu para descobrir a rede de políticos corruptos do País e buscar vingança pela filha como o Doutrinador.
Adaptação da HQ de mesmo nome criada por Luciano Cunha, O Doutrinador assume linguagem de quadrinhos para construir a narrativa. Desde o roteiro, que toma liberdades narrativas para falar sobre o Brasil, sem falar de nada específico da realidade brasileira.
A história se passa na cidade de Santa Clara, que é mistura das ruas quentes e movimentadas do Rio de Janeiro, da linha de prédios de São Paulo e do centro político federal de Brasília. A força policial de Miguel é da Polícia Civil, faz investigações da Polícia Federal e age como a Polícia Militar.
Na fotografia e na arte, as cores são duras, para remeter às tonalidades fortes usadas em gibis. O verde e o vermelho ofuscam na rua e na vida de Miguel, enquanto o dourado e o marrom revelam a vida de luxo dos corruptos, afastados da população. Da mesma forma, os personagens são bidimensionais, para reforçar um aspecto superficial quase caricato da produção.
É onde os diretores Gustavo Bonafé e Fábio Mendonça, junto dos roteiristas Luciano Cunha, Gabriel Wainer, Rodrigo Lages e L. G. Bayão acertam. Fazem com que a história de Miguel seja um pastiche. Em grande parte porque os super-heróis provém de ideias incoerentes. Vale lembrar que o Batman é um homem rico que sai de noite para espancar pobres e prendê-los em celas especiais produzidas pela empresa dele.
Nessa mesma fantasia absurda, O Doutrinador serve de reflexão para diversas vontades de justiça da população brasileira. Enquanto começa como uma fonte de catarse para o espectador cansado de “tudo isso que tá aí” ao mostrar deputados, senadores, presidentes, empresários, vereadores e governadores trucidados com sadismo, aos poucos as ações dele produzem repercussões inesperadas.
Isso porque a corrupção, na análise do filme, é mais complexa que apenas um monte de políticos reunidos em uma cidade com as mãos sujas. Ela está na polícia, nos civis e nos criminosos. E, como acontece rápido no filme, nos nossos super-heróis. Não leva meia hora de produção para Miguel esconder provas, liberar bandidos e conspirar.
O pastiche dialoga bem com tudo isso, mas os realizadores não acertam o tom em toda a produção. Em certos momentos, a história segue o melodrama aberto sem dar destaque ao ridículo da falta de coerência com a realidade. E com atores limitados, como Pissolato ou a eventual parceira vivida por Tainá Medina, as cenas “sérias” caem no ridículo tanto quanto as propositalmente absurdas.
Essa mesma dualidade ocorre na mensagem final. Depois de uma produção inteira que reflete a estupidez de vingantismo contra políticos, o filme simplesmente fecha com 10 minutos que exacerbam a violência contra eles como um meio plausível para melhorar a sociedade corrompida do Brasil.
No entanto, a ação bem feita e o absurdo bobo e ingênuo garantem que a sessão passe rápido. Especialmente na retratação dos vilões. Eles riem feito idiotas do nada, apenas por serem malvados, e sempre são retratados como glutões malucos, sem personalidade além da vontade por poder. É de chorar de rir.
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Adaptações para o cinema são das coisas mais difíceis tanto de realizar, quanto de analisar. O original sempre tem peso em todas as escolhas. Desde quanto deve ser romantizado ou alterado. Em caso de adaptação da vida de uma pessoa real, pode ser ainda mais complicado. Ainda mais como no caso deste Bohemian Rhapsody, que narra a jornada de Freddie Mercury (Rami Malek) desde que entrou na banda Queen até a apresentação no show Live Aid.
Ainda hoje, Mercury é um marco para a população LGBTQI, também como um músico e compositor de talento acima da média. Então, abordar o homem é abordar um objeto que toca milhões de pessoas ao redor do mundo. Além de tratar de um tema caro para cinebiografias de artistas “brilhantes”, o equilíbrio entre o gênio e o difícil.
Isso sem falar que vidas não têm início, meio e fim, o que faz dos roteiros uma confusão narrativa. Nesta versão escrita pela dupla Anthony McCarten e Peter Morgan, é criado um começo com um tal de Farrokh Bulsara. Imigrante paquistanês para a Inglaterra, ele recusa as origens para se tornar Freddie Mercury, sem nenhuma tradição do país em que nasceu e louco por rebeldia e por se expressar.
No meio do caminho, ele descobre os prazeres da fama. Com destaque para o momento em que compreende que é gay, mesmo que ainda ame a esposa, Mary (Lucy Boynton). Ainda sem saber quem realmente é, ele precisa se entender com a banda para garantir que vai manter a qualidade da produção musical e as pessoas queridas por perto.
O acerto aqui é que McCarten e Morgan não se prendem à armadilha da dualidade de que Mercury só é um gênio por ser um arrogante com dificuldades sociais. Muito pelo contrário, o desafio dele é aprender a ser um artista melhor por ser uma pessoa melhor. Por outro lado, erram ao idolatrar a pessoa em toda cena. O que é acompanhado pela direção de Bryan Singer.
Em toda cena, Mercury é a personalidade mais forte de cada ambiente, e Singer o retrata de forma grandiosa e icônica. As falas dele são sempre com frases de efeito, para responder a algo. Seja quando zomba de um produtor musical que acha a música que dá nome ao filme longa demais. “Você deve ser uma decepção para as mulheres se acha seis minutos tempo demais.” Entoa o protagonista, filmado de baixo para cima.
Ele ainda está de pé no cenário, mais alto que o antagonista da cena. Essa idolatria esquece algo fundamental que a mensagem do roteiro quer passar. Mercury era humano. Um humano com dores, com sentimentos, com tristezas e com dificuldades. É um defeito típico de biografias. Os autores não conseguem fugir do lado de fã do personagem.
A fotografia estonteante de Newton Thomas Sigel acrescenta a essa admiração ao enquadrar Mercury por meio de ícones dele, como os óculos escuros espelhados ou o piano em que ele tocava nos shows. Mesmo que Malek não esteja completamente caracterizado, o visual dele é completado pela imagem.
O ator, diga-se de passagem, é extremamente parecido com o verdadeiro Mercury e simula os movimentos dele com verossimilhança. Mas o que faz com que ele chame a atenção não é a semelhança física ou de trejeitos, mas os momentos em que Malek engasga antes de pedir a namorada em casamento. Ou o olhar perdido no infinito quando descobre que chamou a atenção de um grande produtor musical.
No entanto, quando ele está focado demais na emulação, como na reconstituição do show inteiro do Live Aid, é possível ver que os movimentos são quase mecânicos. Como se Malek tivesse estudado tanto a apresentação que, por mais que mimetize cada passo de Mercury, nenhum deles transmitam a honestidade do sentimento daquele momento.
Bohemian Rhapsody está acima da média do subgênero em que se encontra por ter uma história fechada para contar e por escapar de várias armadilhas. No entanto, não consegue encontrar identidade própria além do ícone que representa. Mesmo morto desde 1991, Freddie Mercury é mais dono do filme que os roteiristas e o diretor.
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As diversas facetas da fama, e as consequências que ela traz, já renderam inúmeros filmes e obras narrativas. Inclusive o Nasce uma Estrela original, de 1937. O que poucas vezes é trabalhado é o viés positivo do sucesso artístico. E parece ser essa a intenção de Bradley Cooper com este terceiro remake da história.
Porque a ascensão de Ally (Lady Gaga) ao sucesso é mostrada em paralelo à decadência do cantor famoso, Jack Maine (Cooper), que a descobriu em um bar de drag queens. Os dois se amam, mas as visões opostas sobre a vida se chocam e, aos poucos, o relacionamento passa a sofrer também.
Assim, Cooper (também um dos três roteiristas do filme, e um dos produtores) reflete sobre arte, valores pessoais, relações de artistas com o público e romance. Seu Maine exala um cansaço depressivo em relação à carreira.
Quando as pessoas pedem fotos e autógrafos, ele os concede quase mecanicamente, por nem se importar mais com interrupções na vida ou quem os outros são. Só mais tarde, quando o roteiro revela que ele acredita que a fama traz armadilhas para os criadores é que se compreende que ele perdeu o ânimo com a música e se perdeu no alcoolismo.
Mas isso não atrapalha Ally, que se adequa sem problema às necessidades para aumentar a popularidade. Os mesmos elementos que tiram a vida de Maine, a fortalecem. É onde os dois atores brilham. Cooper parece trôpego o tempo inteiro, como se visse a vida passar na frente dos olhos sem a perceber.
Ele assume essa decadência com uma voz rouca de um homem desgastado, mesmo que delicado e cuidadoso. Gaga, por outro lado, apenas se entrega emocionalmente a cada momento da carreira de Ally. É tanta honestidade, que a doçura da personagem se torna cativante.
Além das interpretações que carregam a história, Cooper segue um padrão estético de documentários de artistas musicais, com imagens granuladas em espaços escuros, câmeras que seguem os personagens na altura do ombro e que tremem como se fossem carregadas por técnicos que precisam capturar no improviso.
Mas isso não impede que os enquadramentos façam com que a narrativa funcione. Em certo ponto, Ally rouba a cena em um show de Maine e o espectador a vê grandiosa em uma projeção atrás dele. O que revela como ela cresceu e ele, mesmo em admiração a ela, começa a ficar diminuto.
Outro elemento narrativo bem trabalhado é o uso das cores. Desde a fotografia que ilumina os ambientes com vermelho e azul - a primeira cor representante da fama e a segunda da vida cotidiana - até as roupas brancas e pretas, que indicam quando os personagens estão confortáveis.
Uma das graças do uso das cores é que Maine, no vermelho e na fama, se encaminha para o mal-estar, enquanto Ally cresce na mesma tonalidade. E o contrário também se apresenta para o azul.
O filme derrapa apenas em trechos em que poucas coisas acontecem, como o começo do relacionamento do casal principal, quando a sequência de cenas não deixa claro o tempo que transcorreu. Assim, a produção parece um pouco mais longa do que precisa ser. Especialmente com o terceiro ato, que se alonga com melodrama desnecessário.
Mesmo que não fosse uma obra surpreendente (uma vez que é a estreia de Cooper na direção), Nasce uma Estrela já valeria apenas pelas cenas de canto da Lady Gaga. Felizmente, ela se torna apenas um dos atrativos principais de um ótimo filme.
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Vinícius Brandão é autor do site Aquela Velha Onda e novo parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

A franquia Predador é uma dessas em que os donos dos direitos autorais (a Fox, neste caso) nunca soube como aproveitar a adoração do público para tirar dinheiro do material. A raça alienígena criada em 1987 no filme clássico com o Arnold Schwarzenegger sempre foi adorada pela criatividade com que age. Agora, é a vez do diretor e roteirista consagrado Shane Black tentar a mão com os ETs.
Ele busca as raízes da série ao colocar um grupo de militares em confronto com os espécimes de outro planeta, mas reinventa ao trocar um esquadrão secreto especial por seis homens afastados do exército por problemas mentais. Eles são liderados por McKenna (Boyd Holbrook), um atirador de elite que sobreviveu a um confronto com um predador e enviou uma prova escondido para casa. Ele não esperava que isso iria atrair o governo e os alienígenas para o filho autista dele.
Com isso, Black tem a desculpa perfeita para fazer um filme que combina a violência dos monstrengos com muito humor e diversão. Porque o grupo dos protagonistas é mesmo de pessoas insanas. Um é suicida e arrisca a vida com um sorriso no rosto, outro tem síndrome de Tourette, e por aí vai. Eles são eficientes e malucos o suficiente para enfrentar os predadores, mas também fornecem momentos hilários.
O que gera simpatia de duas formas. Primeiro porque eles são os azarões que não têm intenções negativas. Segundo por fazerem rir. Duas cenas em especial, quando eles resgatam a bióloga Casey (Olivia Munn), que sabe demais sobre as criaturas, e quando conhecem a esposa de McKenna, são de trazer o cinema abaixo em gargalhadas.
Também ajuda uma excelente construção de personagens. Todos poderiam ser um estereótipo de insanidade, mas cada um tem a história pessoal e os próprios tiques. Isso também vale para o vilão, que tem uma mania de rir de comentários específicos quando sabe de algo a mais que os outros personagens. E todos possuem bons intérpretes que sabem explorar cada característica de forma a acrescentar aos dramas pessoais e à comédia.
Mas tanto humor não tira a tensão da presença dos bicharocos interplanetários. É reflexo do talento de Black em equilibrar o texto entre momentos engraçados quando a trama se desenvolve com ação rápida embasada no perigo dos alienígenas. Os humanos sempre estão em desvantagem, e por isso, o espectador se vê com medo por eles. Ainda mais porque as situações exploram bem as dinâmicas das situações e dos espaços.
Em certo ponto, o grupo encara um predador em uma escola até descobrirem, no fim da cena, uma reviravolta importante para a narrativa. Enquanto isso, eles correm por corredores, são prensados em janelas, atravessam paredes e terminam de volta no estacionamento para a revelação. O que atrapalha é que Black faz com que muito da ação ocorra entre cortes rápidos, o que faz com que muito do que ocorre na tela seja confuso.
Isso fica mais evidente quando um certo objeto que conduz a trama muda de mãos sem que fique claro com quem ele está, ou quando pessoas morrem em meio a tiroteios e não há como saber quem era o vulto que perdeu a cabeça no ângulo escuro anterior. Foi um dos heróis ou um dos vilões?
Isso não atrapalha a boa montagem, que dita um ritmo gostoso e divertido, e nem a criatividade para continuar a construção do universo dos alienígenas. O filme entretém do começo ao fim, faz sentido dentro da franquia e a expande de forma a dar continuidade a ela. Sim, podem esperar que, se este fizer sucesso, há ganchos para mais.
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Filmes sobre cachorros e as relações honestas entre esta espécie e a humana nunca saem de moda porque, de forma simples, nós amamos nossos companheiros de quatro patas. Entre as produções de Lasse Hallström sobre a temática (ele dirigiu Sempre ao Seu Lado e Quatro Vidas de um Cachorro), alguém teve a ideia de contar a história de como essa amizade começou.
Assim, 20 mil anos antes de cristo, Keda (Kodi Smit-McPhee), o filho do líder de uma tribo de humanos sai na primeira caçada com os adultos. Eles só podem fazer uma vez por ano em terras distantes por causa do intervalo fornecido pelo verão. O jovem se fere e é dado por morto, mas sobrevive e precisa voltar para casa com uma perna quebrada. No caminho, ele é atacado por lobos e consegue ferir um deles.
Quando ele sente simpatia pelo animal ferido, o salva e, aos poucos, os dois descobrem as vantagens de viverem juntos. O filme sugere ter sido o início da relação entre humanos e lobos, que evoluíram artificialmente para os nossos cachorros. Porém, a jornada dos dois personagens abraça abertamente a estrutura de produções como A Era do Gelo e O Regresso, com personagens que passam por perigos naturais para chegar a um local seguro.
Em termos de roteiro, o texto de Daniele Sebastian Wiedenhaupt se encaixa de forma esperta nessa proposta. Estabelece os detalhes da viagem de volta na viagem de ida com o pai de Keda, depois, no caminho com o lobo, cria os vínculos entre os dois. Então, começam os conflitos de ambos à medida em que avançam. Assim, a história se desenvolve em um ritmo compreensível.
Porém, há obstáculos demais no caminho dos dois. Em certo ponto, quando Keda e o lobo já determinaram que estão melhor juntos que separados, que têm mais chance de sobreviver quando trabalham em equipe e que o inverno está se fechando sobre eles, a produção ainda demora cerca de vinte minutos sem que a história se desenvolva mais. O que causa um cansaço.
Somado ao estilo de direção de Albert Hughes (um dos irmãos Hughes, responsáveis pela adaptação de Do Inferno e do apocalíptico O Livro de Eli), o ritmo sofre. Porque o diretor se dá ao trabalho de fazer com que toda cena tenha uma ambientação rica. Ao mesmo tempo em que ele consegue imagens lindas e, de fato, enquadramentos que contem a história, no final do filme, ele permite que a velocidade continue lenta, mesmo que o espectador já tenha se apegado à narrativa, justamente quando esta precisa ser mais rápida.
Junto com o diretor de fotografia Martin Gschlachct, Hughes faz com que o céu seja sempre uma fonte de luz forte para as cenas. Seja com o Sol em contraluz nos pores e nascimentos do astro, seja com raios entre nuvens, ou com estrelas na noite. Com isso, filmam a ação de perfil, o que leva o espectador a ver silhuetas da ação. O que remete a uma pintura rupestre e é belo.
Um dos destaques é a cena da imagem acima, quando Keda é jogado no abismo por um animal. A fotografia realça o drama da possível morte do protagonista. O que também auxilia nesse sentido é o ótimo trabalho de computação gráfica. Para garantir cenas que seriam impossíveis com um lobo real, ele é frequentemente substituído por uma versão digital que tem a mesma aparência da criatura filmada. O único problema é na movimentação, que não é natural. Mas não é suficiente para comprometer a experiência.
E Hughes talvez tenha feito o filme mais bonito em termos visuais da carreira dele. Ironicamente, um dos poucos que fez sem o irmão. No entanto, o desbunde técnico distrai de uma história que parece ter pouco a contar. Para os fãs de cachorros, porém, é um programa cheio.
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O cinema, inúmeras vezes, se mete a desenvolver histórias com narrativas teatrais, que se passam em um único cenário. Hitchcock, o mestre, fez isso de forma magistral com uma sugestão de plano contínuo em Festim Diabólico. O cenário é sempre o mesmo, com mudanças e dinâmicas feitas pelas ações dos personagens. Chegou a vez de Daniela Thomas experimentar com este O Banquete.
Ela acompanha um jantar entre amigos jornalistas de uma revista organizado na casa de uma das editoras, Nora (Drica Moraes). O grupo parece querer esquecer a tensão da possibilidade do fim da revista e da carreira deles no dia seguinte devido ao contexto político do Brasil em 1992. Mas Nora tem uma intenção secundária com as pessoas convidadas para o banquete.
O espectador, assim como vários dos personagens, compreende isso quando Maria (Fabiana Gugli) percebe que não é uma festa, mas uma janta, e que terá que compartilhar mesa com o amante e a esposa dele no aniversário de casamento dos dois. O companheiro dela, Lucky (Gustavo Machado), tenta quebrar a tensão com piadas sobre sexo e pequenas observações sobre os conflitos entre os presentes.
Com esse olhar sarcástico, Thomas (também roteirista do filme) dá o tom de humor cruel para tratar aquelas relações tão humanas e tão complexas. É tanto ódio contido. Somado a tanta raiva e tristeza. O resultado é um clima doentio, em que toda fala parece reforçar que, por trás de toda cordialidade da vida adulta, há segundas intenções. Sejam elas sexuais ou violentas.
Para dar a noção de uma história que se desenvolve em tempo real, como em uma peça, Thomas faz as cenas com planos longos que seguem os personagens pelo cenário. Assim, quando a convidada surpresa Cat Woman (Bruna Linzmeyer) toca a campainha, todos olham na direção da porta, a câmera corta para seguir a personagem por trás até ela ser revelada para os outros convidados.
O foco é sempre de pouca profundidade, para que o espectador esteja fechado junto com os personagens e suas perspectivas individuais. O que também deixa sempre difícil compreender todo o espaço. Além disso, usa de tons monocromáticos junto com uma fotografia granulada para dar uma sensação de um lugar nebuloso e claustrofóbico. Nada mais adequado para as situações nojentas em que os personagens se encontram.
Tudo isso sustentado por grandes interpretações. Todos os personagens são complexos e diferentes entre si, apesar de terem a mesma motivação sempre: o sexo, o medo e o ódio. Desde Maria, contida e tímida, mas que se recusa a abrir mão do amante, até a Nora, fria, calculista e vingativa. Destaque para a excelente interpretação de bêbado de Caco Ciocler, que é tanto vítima quanto culpado do casamento doentio em que vive.
Porém, as discussões, as piadas cruéis e a ambientação nojenta em que esses convidados estão não sustentam o ritmo com fluidez. Especialmente quando o foco muda para Lucky e a vontade dele de transar com o garçom. Ele é um dos poucos personagens sem conflito e desenvolvimento, então se torna um fardo para a velocidade do filme. No entanto, não compromete o ótimo texto.
Assim, Thomas conduz uma longa conversa que faz rir pela tensão e pelo desconforto, mas também leva a reflexões sobre relações monogâmicas, sobre como ódio se liga a sexualidade e sobre como o rancor pode ser imaturo e se sustentar até em adultos que não percebem como são vulneráveis.
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Um grande prazer recém descoberto é ir assistir a um filme e a história não seguir nenhum dos padrões apresentados no material de divulgação. Como neste Hotel Artemis, é impossível prever o desenvolvimento dos personagens e as reviravoltas com base nos trailers.
Ao contrário do divulgado, a história não é sobre um grupo de pessoas em um hotel que tentam sobreviver a um grupo misterioso. Muito pelo contrário, é sobre os sacrifícios que os dois protagonistas, a Enfermeira (Jodie Foster) e Waititi (Sterling K. Brown) tiveram de fazer ao longo da vida devido a outras pessoas.
Ela é a supervisora de um hospital exclusivo para criminosos em Los Angeles e ele, um dos internados no local. Enquanto ela tenta cuidar da instituição lotada na noite mais violenta da história da cidade, em 2028, ele busca saídas para o irmão ferido que roubou, sem saber, 18 milhões em diamantes do Rei dos Lobos (Jeff Goldblum), chefe da máfia local.
Nada disso seria suficiente para que a trama da produção andasse se não fosse a mistura específica de pacientes daquela noite em especial. Nice (Sofia Boutella), uma assassina de aluguel que quer matar um contrato sobre o qual não fala com ninguém, e Acapulco (Charlie Day), um traficante de armas impulsivo e irritadiço. Além da vinda avisada de mais uma pessoa que vai colocar todos em choque.
A ideia desses estranhos que acidentalmente se encontram e cuja reunião inevitavelmente leva a conflitos é inusitada e interessantíssima tanto como filme de ação como de suspense. O problema está nas inúmeras coincidências que o roteirista e diretor do filme, Drew Pearce, joga na tela de qualquer jeito para que os confrontos ocorram.
É extremamente conveniente que Waititi e Nice tenham um passado e que tenham se ferido no mesmo dia. Que justamente nesta noite a Enfermeira receba o pedido de ajuda de alguém que a fará quebrar todas as regras. Que a revolta da população contra a empresa que cortou o fornecimento de água na cidade tenha chegado ao ápice na mesma data.
Porém, tudo serve aos desenvolvimentos dos dois personagens principais. Ela teve a licença para atuar como médica cancelada por ter se perdido em vícios devido a uma tragédia passada. Ele é um homem meticuloso e inteligente que sempre tem um plano, mas que é impedido de atuar por conta de um irmão viciado em drogas.
Enquanto os eventos os fazem confrontar esses desafios pessoais e superar os problemas, Pearce conduz a narrativa com muito estilo. Desde uma montagem rápida que remete a um videoclipe e dá o tom da urgência para os personagens até a fotografia carregada de verdes e vermelhos que passam a noção de locais secretos e sombrios.
Ainda mais, escreve diálogos inteligentes que acrescentam ao estilo. Em certo ponto, quando a Enfermeira recebe um grupo armado e avisa a eles sobre as regras, escuta de um deles: “O que seria de você sem nós, os que quebram as leis”. A câmera em close-up nos óculos escuros dele com ela refletida nas duas lentes. Assim, ele conta a história sem perder a estética.
Também é auxiliado pela extraordinária Jodie Foster, que representa os traumas da Enfermeira com um manquetear que a atrapalha de agir com velocidade, por mais que ela esteja sempre com pressa. Outro que brilha é Brown, que dá a quase todas as falas de Waititi o peso de um homem que não gostaria mais de estar naquela vida e sente culpa por tudo o que passou.
Ainda vale destacar a sempre majestosa Boutella, que esconde ferocidade por trás de uma elegância hipnotizante, e o surpreendente Dave Bautista, um funcionário fiel do hospital que esconde muitos sentimentos de filho para a Enfermeira.
Apesar da estilização, Hotel Artemis não é o longa de ação rápido e cheio de piadas vendido pelo trailer. Muito pelo contrário, é um trabalho de personagens sutil, mas ainda ágil e que aproveita muitíssimo bem os acelerados 90 minutos de duração para entreter e contar uma história.
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Antes da sessão deste Te Peguei, não foi incomum ouvir repetidas vezes como o filme parecia bobo. E talvez, essa seja parte da graça da ideia por trás da produção. Imagens como a de cima, com homens que correm como parte de uma brincadeira de pique-pega remetem a uma noção de bobagem infantil. É quase como se os realizadores soubessem que o produto feito fala sobre o valor da própria falta de profundidade.
E, de fato, quando os amigos Hogan (Ed Helms), Callahan (Jon Hamm), Chilli (Jake Johnson) e Fumaça (Hannibal Buress) viajam para a cidade natal e tiram o mês de maio para brincar de pique-pega com Jerry (Jeremy Renner), que nunca foi pego na brincadeira que já dura 30 anos, é difícil encontrar profundidade. O caçado vai casar e prometeu que vai sair do joguete se não for pego, o que cria desespero para os antigos colegas.
Mas há algo de mais profundo e complexo na ideia do quinteto de garantir que manteriam contato e não deixariam o espírito infantil morrer. À princípio, parece uma bobagem infantil, mas é uma forma de preencher uma parte da vida. Inclusive, como eles sequer são capazes de compreender inicialmente. O ridículo de cinco adultos que agem como crianças em um prédio empresarial ou pelos andares de um prédio gera humor, mas também faz parte da jovialidade esbanjada além da idade física.
E os roteiristas Rob McKittrick e Mark Steilen, inspirados na reportagem “It Takes Caution, Planning to Avoid Being ‘It.’” (É Preciso Cuidado, Planejamento para Evitar Ser "Pego") de Russell Adams para o Wall Street Journal, aproveitam bem os limites entre o divertido, o bobo e os perigos de tocar em situações sérias da vida adulta. Em um dos momentos mais singelos do filme, os amigos consolam Hogan no funeral do pai. É quando alguém o "pega" e o grupo passa a correr um atrás do outro no cemitério.
É fácil imaginar isso como desrespeitoso, cruel ou insensível, mas Hogan sabe que a vida segue em frente e que a morte não o impede de ser capaz de se divertir. Da mesma forma, esses limites são testados com temas cada vez mais pesados, como consumo de drogas, triângulos amorosos, alcoolismo e aborto. Ao nível de os personagens começarem a se perguntar se a brincadeira realmente os uniu, ou os fez maldosos.
Ao mesmo tempo, esse é o ponto fraco do roteiro. Porque o personagem que carrega esse fardo com maior profundidade é Jerry, justamente o que menos aparece por ser o fugitivo do grupo. Apenas nos últimos cinco minutos o texto apresenta o que a brincadeira custou a ele. Ainda mais porque a dupla de roteiristas parece muito focada em dar prioridade a tramas menores que não fazem o enredo principal avançar e nem são interessantes, como um triângulo amoroso jogado no meio do filme.
Com uma trama tão boba, o diretor Jeff Tomsic não precisaria elaborar na direção, mas faz escolhas espertas ao aproveitar a proposta absurda e a capacidade de Jerry de escapar para fazer piadas com filmes de terror, policiais e até de mistério. Numa das melhores cenas, Hogan persegue Chilli enquanto este usa maconha. E Tomsic coloca câmeras que distorcem a profundidade para representar a paranoia efeito da droga, como muitos filmes de ação fazem.
Em outro momento inspirado, três dos personagens se veem perdidos em uma floresta escura com pouca luminosidade e muita neblina. Enquanto Jerry parece se multiplicar no ambiente. Ele é quase uma criatura sobrenatural na mística capacidade de escapar dos amigos.
Diga-se de passagem, todos os atores sabem que o filme é uma brincadeira e abraçam a piada. Desde a habilidade de fazer papel de bobos com fantasias ridículas de idosa em um shopping até uma hilária cena durante os créditos finais, em que zombam juntos de uma música melancólica sobre amizade. Destaque para Renner e Hamm, atores comuns de filmes mais "sérios" que abraçam a bobagem com muita honestidade, o que os faz ser ainda mais engraçados.
Até mesmo Buress, que é um ator extremamente limitado, apesar de bom comediante, consegue uma boa interpretação por ser bem utilizado em cena por Tomsic. Como Fumaça é um personagem que constantemente questiona os absurdos que eles vivem, o estilo quase avoado do ator combina com as observações pontuais.
A decepção fica com o elenco feminino, que é desperdiçado em papéis pequenos. Grandes atrizes como Isla Fisher, Leslie Bibb e Rashida Jones em pontas tão pequenas é um pecado. Elas ainda acrescentam muito ao pouco que recebem do material original.
Assistir e se divertir com Te Peguei! pode parecer bobo, mas como a própria mensagem do filme deixa claro, não tem nada de errado em se divertir. Mesmo que no caminho se passe por bobo. É uma comédia adulta com um tema infantil, mas como as crianças, sabe como aproveitar uma boa diversão.
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Segundo o Museu da Flórida, cinco pessoas morreram em decorrência de ataques de tubarão em 2017 em todo o mundo. É mais provável morrer envenenado acidentalmente ou de gripe do que por um desses peixes. No entanto, eles povoam a imaginação popular ao ponto de já terem mais pessoas mortas pelos animais em filmes do que já foi registrado pela humanidade.
A maior surpresa do novo filme dos bichos, Megatubarão, não é abordar uma versão ainda mais monstruosa das criaturas no antepassado extinto megalodonte. O que faz da produção sobre uma expedição científica que encontra o animal em novas profundezas do oceano irreverente é que ela panfleta a favor da proteção dos peixes carnívoros.
Com uma sinopse igual a essa, a proposta é previsível. Megatubarão é um filme bobo de monstro com muitas cenas de ação que dançam entre o absurdo e o divertido, com direito a várias mortes de humanos e piadinhas cretinas. E felizmente, essa adaptação do livro de Steve Alten pelos roteiristas Dean Georgaris, Jon Hoeber e Erich Hoeber não quer ser mais que isso.
A maior profundidade na história se encontra em pequenas mensagens rápidas de personagens que são contra a caça e a morte de tubarões pelos humanos. Há a cena em que encontram um barco destruído com restos de barbatanas para que um dos cientistas explique: “Caçadores de tubarão, eles arrancam as nadadeiras e barbatanas e soltam os peixes de volta na água para morrer.”
Antes que a alfinetada incomode de verdade, outro personagem brinca: “Parece que eles receberam a desforra”, enquanto remove um braço humano da água. Nada é sério demais para não receber alguma piada, assim como a lembrança é importante de que tubarões são animais calmos e que raramente oferecem perigo real para pessoas.
O tom de brincadeira vale até para quando vários personagens caem na água com o monstro nas proximidades. Mesmo que a situação deles seja melodramática, com direito a mortes de parentes e amigos íntimos, a condição de filme trash não aceita que o filme se leve a sério por mais que o necessário.
No entanto, os roteiristas fazem com que os protagonistas tenham que resolver problemas o tempo inteiro, o que garante um ritmo divertido do começo ao fim. Seja com a necessidade de colocar um radar no peixe gigante (o que rende a piada mais engraçada do filme), seja com a urgência de desviar a atenção dele de uma praia lotada (na cena obrigatória de mortes engraçadas e trash).
E Jon Turteltalb, um diretor de carreira extraordinariamente eclética, sabe fazer bom uso do orçamento milionário para os efeitos digitais. As cenas subaquáticas em computação gráfica são repletas de detalhes que aumentam a verossimilhança. Desde distorções na câmera em altas profundidades, até pequenos peixes parasitas que vivem nas costas do megalodonte.
Ele conduz as cenas de ação de forma esperta, ao esconder o tubarão em planos subjetivos, o que faz com que o espectador não o veja junto com os personagens. Mas abre os ângulos quando as perseguições começam, para que seja possível compreender tudo o que ocorre com todos os personagens em todos os momentos.
Além disso, ele tem noção de que os personagens e os dramas são o que menos importa. Então faz com que as cenas dramáticas sejam rápidas com atores que não são necessariamente bons, mas simpáticos o suficiente para que a plateia se importe com eles.
Vide a dupla principal, Jason Statham e Li Bingbing. Os dois ganham momentos de flertes bregas propositalmente para que não roubem a atenção do que realmente importa, os confrontos com o megalodonte. Num dos melhores momentos, ele ganha direito a um “female gaze” hilário, que parece fazer piada de situações semelhantes com sexualização de mulheres.
Talvez a melhor descrição seja a clássica para filmes do gênero: bobo e divertido. No entanto, diversão de qualidade, bem-feita e que não se leva a sério. Esperar mais é perda de tempo. Vale ainda pela perspectiva de que tubarões são animais a serem respeitados e deixados em paz na natureza.
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De vez em quando aparece aquela história real de sobreviventes em algum local distante. Especialmente em alto-mar, que é tão difícil de ser verificado e que é um risco recorrente. A dúvida que fica é sempre igual: há algo de novo a ser dito a cada filme?
De fato, o casal Tami Oldham (Shailene Woodley) e Richard Sharp (Sam Claflin) se perdeu no meio do caminho entre o Taiti e os Estados Unidos em um barco a vela depois de serem pegos por um furacão em 1983. Com poucos ferimentos, ela precisa cuidar dele, com vários ossos quebrados, enquanto usa os restos da embarcação para que sobrevivam à deriva.
Como em todos os filmes do estilo, Vidas à Deriva bate de frente com um problema inicial. Eles sobrevivem ou não? Os roteiristas Aaron Kandell, Jordan Kandell e David Branson Smith buscam a diferença ao dividir a história em duas linhas narrativas. Primeiro do momento em que Tami acorda depois da tempestade e a segunda do dia em que ela chega ao Taiti até a tempestade.
Tami começa em desespero no barco enquanto procura por Richard e a trama muda para o dia em que ela chega no Taiti e o conhece. Quando percebem uma chuva vindoura quando estão à deriva, o enredo paralelo mostra um dia chuvoso na ilha, quando tomaram certa decisão importante.
O recurso serve para dar um ritmo diferente ao filme. Quanto mais o espectador compreende e conhece o amor dos dois, mais eles ficam sem comida e expostos em alto-mar. A isso, o diretor Baltasar Kormákur acrescenta uma montagem esperta, que liga enquadramentos entre as duas histórias. Como em uma mudança inteligente em que usa o céu vermelho para mostrar o conhecimento dos dois sobre navegação e ainda anunciar o furacão.
Kormákur também acerta na filmagem com cenas de planos contínuos. Desde a abertura, quando Tami procura Richard de dentro do veleiro destruído para fora até a câmera subir e mostrar a desolação em alto-mar, não há cortes. A intenção é fazer com que a experiência da personagem pareça mais verossímil e o espectador esteja emocionalmente com ela em cada momento. O que, em um filme de naufrágio, funciona muito bem tanto para construir tensão quanto para criar uma perspectiva subjetiva.
E ter uma protagonista carismática e expressiva como Woodley ajuda muito. A atriz consegue expressar muito com poucas mudanças gestuais. Seja uma mordida no lábio para esconder um sorriso de empolgação antes de ser pedida em casamento, ou uma movida de sobrancelha para registrar alguma surpresa. Ela é econômica, mas corresponde à personagem, que é uma mulher tímida, apesar de aventureira.
Infelizmente, ela tem como apoio o Sam Claflin. O galã não é mal ator, mas é extremamente limitado. E como o personagem dele passa a maior parte do filme com limitações de movimento e de gestos, ele fica ainda mais preso. Os sentimentos estão lá, mas somem diante das capacidades de Woodley de comandar a cena.
Vidas à Deriva reservou boas surpresas. Primeiro por não seguir a cartilha padrão de filmes de sobrevivência, mas também pela boa narrativa, pela história de duas pessoas envolventes além da condição em que estão presas, e pelo fim surpreendente. De verdade, não pesquise como a história real ocorreu antes de ver para não estragar a experiência.
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O material promocional dessa continuação do musical de sucesso de dez anos atrás deixa clara a intenção dos realizadores, “O filme mais alto astral do ano”. Nem é tão difícil ver isso em imagens como a de cima. Cores saturadas, gente feliz, luzes douradas, pétalas de flores que caem de lugar nenhum. Assim como o original, Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo é cafona. E não tem nada de errado nisso.
E não falta cafonice quando Sophie (Amanda Seyfried) tenta reinaugurar o hotel da mãe na Grécia um ano após a morte dela. Mas, no dia do evento, apenas Sam (Pierce Brosnan), o pai que amou e casou com a progenitora, pode comparecer, enquanto os outros, Bill (Stellan Skarsgård), Harry (Colin Firth), e o marido de Sophie, Sky (Dominic Cooper), ficam presos a negócios em outros continentes.
Realmente, não há muita história a ser contada na continuação. Um dos grandes problemas da ideia é que Mamma Mia!, o musical original, tem um enredo fechado e não precisa de sequência para a história. A solução encontrada aqui é fazer um paralelo da herança de Sophie com a forma como Donna (vivida na juventude por Lilly James), a mãe dela, se envolveu com três homens no mesmo período, engravidou, e começou a vida como dona do hotel.
Além disso, o segundo filme tem outro defeito óbvio: a coletânia das melhores músicas da banda Abba já estava no original. Dos grandes sucessos, sobram Waterloo e Fernando. O que diminui, e muito, o charme da sequência. Ainda mais porque o elenco que retorna, encabeçado por Amanda Seyfried, parece ter voltado contra a vontade. A atriz nem sequer parece ter peso nos dramas pessoais, que são supérfluos, como não consegue carregar a trama com o carisma.
Ao mesmo tempo, é na trupe nova que a produção parece encontrar novo respiro. De Lilly James, que se revela cada vez mais uma grande atriz, para a Seyfried, a trama atual perde ainda mais força. De forma que o passado de Donna fica na saudade sempre que Sophie está em cena. Além disso, os dois enredos paralelos sobrepostos fazem com que Lá Vamos Nós de Novo se arraste mais do que é necessário por 114 minutos.
Isso também acontece porque o roteiro dá muito destaque para a parte mais chata, no presente. Inclusive com uma adição desnecessária apenas com o intuito de colocar Fernando no repertório. O momento, coroado com fogos de artifício e dois personagens com os quais ninguém se importa, é o ápice da breguice que marca essa franquia.
Mais uma vez, a cafonice pela cafonice não é um problema. É como ela é usada. O novo diretor, Ol Parker, reforça a breguice e cria cenas primorosas. Uma delas é a em que Donna, apaixonada, corre em uma plantação de laranjas em câmera lenta e dá uma estrelinha. Ainda mais com frutas e árvores de cores tão fortes que são obviamente falsas. É brega, é bobo, é engraçado e divertido. Como o marketing deixou claro, é alto astral. Até chegar em Fernando, que não parece só ser alto astral, mas abraça a ingenuidade e o absurdo. Principalmente com a presença de um Andy Garcia canastrão como nunca em uma tentativa pífia de canto.
Por outro lado, Parker é um diretor inteligente e faz uma montagem que conecta os temas da história de Donna e de Sophie. De certa forma, é como se uma estivesse herdando os desafios e códigos morais da outra. Quando uma tempestade atrapalha a inauguração do hotel para a filha, uma tempestade leva a mãe a descobrir o terreno que se transforma na instalação. Apesar da falta de uma história decente, o realizador a conta com eficiência.
Quanto termina, Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo funciona muitíssimo bem. É cafona, divertido, feliz, tem cenas musicais que entretém e problemas de ritmo e de roteiro. Não se compara ao original, mas certamente não é uma perda de tempo. Só é preciso reafirmar que o Andy Garcia precisa parar de atuar. Não faz bem para os espectadores e para a percepção pública dele.
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Vinícius Brandão é autor do site Aquela Velha Onda e novo parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas.

Em 1988, o gênero de ação mudou para sempre. Os homens durões que resolvem tudo sozinhos inicializados pelo faroeste, pelos gangsteres e por produções de guerra (e que depois seriam imortalizados nas figuras de Arnold Schwarzenegger e de Silvester Stallone) se viram sem espaço quando o engraçado e vulnerável John McClane de Bruce Willis revigorou as fórmulas com Duro de Matar.
O sucesso foi tanto que virou o nome de um sub-gênero que foi imitado por quase todo astro de ação. Jean-Claude Van Damme, Stallone, Harrison Ford, e até gente como Keanu Reeves e Gerard Butler tiveram suas cópias. E agora, chegou a vez da nova estrela de Hollywood fazer a incursão no estilo.
A semelhança da história do especialista em segurança Will Sawyer (Dwayne Johnson) com a de McClane é proposital. Ele é contratado para revisar o sistema de segurança do Pérola, prédio recém finalizado que bate o recorde de mais alto do mundo, para que ele possa ser inaugurado. No meio do processo, um grupo de criminosos toma o edifício e o incendeia com a família de Sawyer dentro.
Na verdade, os estúdios Legendary e Universal sequer escondem que a produção é uma mistura de Duro de Matar com outro clássico ainda mais antigo, Inferno na Torre. Eles chegaram a liberar cartazes que brincam com as semelhanças. Isso porque, na verdade, o mercado em que estão mirando não é o ocidental, mas o da China.
Não à toa a história se passa em Hong-Kong e metade do elenco é formado por atores chineses. Com direito a muitas falas em cantonês. Vale lembrar que a Legendary foi comprada por uma empresa chinesa para garantir lançamentos de arrasa quarteirões no país. Com mais de um bilhão de pessoas, a China muitas vezes salva as bilheterias de filmes muito caros e, justamente por isso, se tornou alvo de estúdios.
Assim, o diretor, roteirista e produtor do filme, Rawson Marshall Thurber, nem tenta ironizar com a proposta absurda e obviamente inspirada em outros longas. Ele busca fazer um drama de ação sério. E consegue, quando as cenas não descambam para o exagero.
Especialmente porque não cai na armadilha dos filmes com Johnson que o retratam como uma espécie de super humano mais forte que a lógica. Muito pelo contrário, logo no início, Sawyer perde a perna e é forçado a viver com uma prótese e afastado do serviço militar. O que o torna vulnerável para o conflito que vai enfrentar.
Além disso, Thurber faz com que ele se fira toda vez em que precisa confrontar um inimigo ou fazer alguma proeza improvável. O herói é esfaqueado, não consegue suportar pesos anormais, se cansa, é rendido inúmeras vezes e nunca chega a puxar um gatilho. Essas fraquezas físicas o tornam mais identificável para a plateia, que torce por ele e sente medo quando ele está em perigo.
Outro fator determinante é o desenvolvimento tanto do roteiro quanto das situações de perigo. As cenas de ação aumentam os riscos à medida em que os protagonistas encontram soluções. Então, quando Sawyer consegue alcançar um guindaste para chegar ao Pérola, a polícia o alcança para detê-lo. Quando a grua prende na lateral do edifício, e ele se prepara para descer, o gancho solta. E por aí vai.
Da mesma forma, assim que ele encontra com a família, é forçado a se separar da filha. Quando a reencontra, ela é usada como refém para que ele cumpra uma tarefa para os vilões. O que conduz a um filme de ritmo equilibrado que faz com que a sessão de 102 minutos passe rápido.
Por outro lado, Thurber não consegue escapar de alguns clichês bobos, como a polícia que persegue o herói erroneamente. O pior, no entanto, é a necessidade do diretor de mudar de enquadramento a cada golpe nas cenas de luta. Um combate dentro de um carro é o destaque, porque não é possível identificar o que acontece em cada golpe no espaço apertado.
Ainda assim, na maior parte do tempo, a ação contida funciona para que a produção não caia na estupidez de manobras inacreditáveis. Tudo beira o limite do absurdo, mas só o cruza para criar rápidos clímaces e empolgar o espectador momentaneamente. No fim, é uma produção genérica que diverte, mas que nunca se propõe a ser outra coisa além disso.
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Conhecido como o hipster do cinema estadunidense, o diretor Wes Anderson lança uma nova obra nos cinemas com esta singela animação sobre os valores das vidas de animais de estimação e a relação deles com os humanos. Tudo recheado com os padrões que tornaram o cineasta famoso.
A história de Chief (voz de Bryan Cranston), um cão de rua que se vê obrigado pela matilha da qual faz parte a ajudar o garoto Atari (Koyu Rankin) a reencontrar o cachorro de estimação dele é contada com divisão de capítulos, um cuidado extraordinário para compor enquadramentos simétricos, músicas indies e discursos com pouco tom de emoção.
Como tem feito com muita eficiência ao longo da carreira, Anderson reutiliza os mesmos recursos para construir uma proposta completamente nova. Se em Moonrise Kingdom criou uma nostalgia pré-adolescente, e em O Grande Hotel Budapeste, uma comédia pastelão, aqui ele faz uma animação infantil com contornos extremamente adultos.
No contexto do filme, o Japão foi tomado por uma superpopulação de cachorros com uma tal de febre canina. Para lidar com os animais, o governo transporta todos da espécie para uma ilha de lixo. Mas Atari vai até o local para buscar por Spots (voz de Liev Schreiber).
Na busca, as inadequações de Chief vêm à tona. Revoltado contra as relações de subserviência dos cães com os humanos, ele se recusa a lidar com Atari. É muito parecido com outros protagonistas de Anderson que se ressentem com a figura paterna. O diretor constrói a relação dos dois como a de um pai e um filho que redescobrem um vínculo afetivo que foi desperdiçado até então.
O que Anderson faz de inovador na estética dele no novo filme é contrastar os modos de fala do inglês para o japonês ao fazer com que as interações dos cães (verdadeiros protagonistas da história) sejam na primeira língua, e a dos humanos, na segunda. Assim, os bípedes falam em vozes mais alteradas e carregadas de emoção, enquanto os quadrupedes soltam as falas quase de forma mecânica (típica dos diálogos do diretor).
O que gera inúmeras cenas de humor inteligentes, como o momento em que os cachorros discutem que a próxima parada é um local tóxico e parecem estar tranquilos com a decisão. Enquanto os japoneses são, até certo ponto, excluídos da narrativa por se alterarem demais. O que, é claro, reflete as inúmeras problematizações do filme com apropriação da cultura japonesa.
Graças à técnica de animação em stop-motion (famosa por aqui como animação de massinha), Anderson pode acrescentar à história situações violentas que seriam extremas com atores reais. No estilo, fica caricatural e aceitável para menores. Especialmente quando os cachorros falam de forma tão fria.
A cena em que a matilha de Chief percebe que ele arrancou a orelha de outro cão se torna cômica pelo absurdo, e o choque da desconfiguração física criada pelo protagonista é relativizado.
Para o efeito dos diálogos pausados funcionar, Anderson convocou uma trupe de grandes atores veteranos para dar vida aos animais sem que eles deixem de ter emoções. É assim que Cranston consegue manter um leve tom de vergonha sempre que admite que morde.
Da mesma forma, Edward Norton faz com que o controlado e democrático Rex perca o controle de vez em quando se contrariado por Chief. Bill Murray revela os medos de Boss com rápidas engasgadas entre as palavras do cachorro.
Jeff Goldblum se destaca ao emprestar o jeito rápido de falar para as rápidas trívias proferidas por Duke do começo ao fim do filme. Outro que chama a atenção é Schreiber, que coloca segurança para o treinado Spots, sem esconder afeto nas observações dele.
Ilha dos Cachorros é o tipo de filme que apenas Anderson e a estética única dele é capaz de fazer. Apesar de limitado pela falta de expressividade dos bonecos (o que tira muita da emoção que o filme deveria carregar), é impossível para um fã dos bichinhos não se emocionar com as relações e os esforços dos personagens que também amam esse convívio entre as espécies.
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Como parte da brincadeira da Marvel em cima do conceito do Homem-Formiga, os dois filmes da franquia são chamados abertamente de as produções menos ambiciosas do estúdio. Mas é também parte da estratégia de lançamento já que os dois longas do herói são um sopro de calmaria após os escopos extraordinários dos Vingadores 2 e 3.
Depois que Scott Lang (Paul Rudd) acidentalmente entrou e saiu vivo do reino quântico em Homem-Formiga, Hank Pym (Michael Douglas) e Hope Van Dyne (Evangeline Lilly) iniciam pesquisas e testes para salvar Janet (Michelle Pfeiffer), esposa dele e mãe dela, presa naquela realidade há 30 anos. Para isso, precisam de uma informação no cérebro de Scott, mas não sabem que uma mulher que chamam de Fantasma (Hannah John-Kamen) também quer acessar os segredos da localização de Janet.
Além desses dois, ainda há os núcleos do FBI, que detém Scott pelo que ele fez em Capitão América: Guerra Civil, e de um negociante de tecnologia no mercado negro. São muitas tramas paralelas em um roteiro confuso escrito a dez mãos. No entanto, o texto usa todas essas linhas narrativas para conduzir a um clímax movimentado, com funções para todos os personagens do time dos protagonistas e muita comédia.
Às vezes é difícil identificar com quem os heróis lutam. É o FBI, são os negociantes do mercado negro ou a vilã com super poderes? Especialmente no terceiro ato, quando uma perseguição de automóveis envolve os três grupos, não tem como saber de quem era aquele carro que capotou.
Ainda assim, surgem momentos que exploram bem os poderes de cada personagem. Numa determinada situação, Scott e Hope precisam invadir uma escola para recuperar um item, mas o uniforme de Homem-Formiga está com defeito. Ao mesmo tempo em que isso é usado para o humor quando ele fica com o tamanho de uma criança, é importante para que o espectador compreenda um detalhe para o clímax da produção.
Apesar de acertar no tom de humor quando trata dos poderes dos personagens, o roteiro falha ao exagerar na carga de comédia em diálogos e desenvolvimentos de personagens. Com destaque para o agente do FBI Jimmy Woo (Randall Park) e para o traficante Sonny Burch (Walter Goggins), que são usados como ferramentas para piadas. Eles sempre estão dois passos atrás dos heróis e nunca parecem representar um perigo iminente. O que é uma pena, porque os dois atores são excelentes.
No outro extremo, a vilã Fantasma nunca é motivação para humor na trama, tem poderes que dá vantagens no combate sobre Scott e Hope, e os enfrenta por desespero. Ela não é má, apenas está atrás de uma solução para um problema sério. Além disso, a relação dela com outro antagonista é dúbia. Eles estão dispostos a certos extremos, mas sem perder a humanidade no processo. Os atores despejam carisma nos personagens para representar essas complexidades.
Peyton Reed, o diretor do original, retorna neste e faz mais um ótimo trabalho de condução. Mesmo com um roteiro confuso e cenas de ação divididas em vários núcleos, ele não perde a atenção de onde estão todos os personagens, quais os riscos que enfrentam e o drama que os motiva.
Reed também equilibra com maestria os momentos sérios com os cômicos sem que um comprometa o outro. Mesmo que seja uma metralhadora de piadas, Scott entende e divide as dores de Hope quando ela tenta encontrar a mãe desaparecida.
No elenco, apenas os vilões principais se destacam. O que é uma pena uma vez que conta com gente do calibre da Michelle Pfeiffer e do Michael Douglas. Isso apenas realça a falta de peso dramático da história, focada demais no humor. No entanto, a ação e a comédia bem ritmadas garantem um filme leve e divertido. Obviamente, ajuda ter um roteiro que usa todas as ferramentas disponíveis para que tudo seja importante para a narrativa.
P.S.: Há duas cenas extras. Uma no meio dos créditos e outra depois que eles rolam.
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De vez em quando o gênero do terror encontra um hype absurdo. Especialmente no que alguns chamam agora de pós-horror, quando alguém realmente faz um filme bom no estilo. Porém, a ideia não é reinventar ou ser inovador. Muito pelo contrário, é apenas fazer uma obra autêntica. A nova produção que ganha bilheteria pelos comentários excessivos é este Hereditário.
Porque a trama da família liderada por Annie (Toni Collette) não tem nada de novo. Quando a mãe morre, ela percebe que tem algo estranho com a filha, Charlie (Milly Shapiro). E descobrir o que acontece com ela começa a levantar vários problemas na relação com o marido Steve (Gabriel Byrne) e o primogênito Peter (Alex Wolff).
Nem mesmo no desenvolvimento do enredo sobrenatural existe alguma inovação. O que tem levantado a atenção do público e da crítica é o trabalho do diretor e roteirista Ari Aster voltado completamente para uma ambientação perturbadora. O que inclui desde a história e as reviravoltas, até detalhes de enquadramento em cenas que não são de horror.
Logo na abertura, a tela dá a volta em um ateliê para passar por uma transição. A lentidão da câmera, com a iluminação esverdeada e cheia de sombra, uma música que parece uma distorção de instrumentos de corda dão o tom comum do gênero. Mas o que realmente incomoda é que a câmera está levemente inclinada para o lado, o que causa desconforto inconsciente no espectador e a tal transição mencionada acima.
Porque a câmera mergulha em uma maquete de uma casa para, no quarto, encontrar personagens reais. Como se o que acontece no filme fosse uma peça manipulada por alguém e a vida daquelas pessoas (na cena, o pai e o filho, o que é pertinente com eventos futuros) não estivesse sob o comando delas.
E simples assim, quando um pai desperta a família para se arrumarem e ir ao funeral da avó, por mais que nada de errado aconteça com eles, a sensação é que há algo errado em todo momento. E Aster usa dos mesmos recursos até o fim do filme. Com o roteiro, ele escala o nível dos acontecimentos bizarros até que coisas realmente chocantes surpreendam por serem súbitas.
Quando a primeira morte ocorre, a construção inteira da cena indica que algo diferente vai acontecer. Então o choque não vem em forma de susto, mas pelo horror da fragilidade de uma pessoa em um momento tão simples. E as consequências dessa mesma morte perturbam não pelo terror do perigo, mas do trauma. Em certas situações, como um jantar de família que termina em briga, ou em uma aula quando Peter lembra da referida morte, o medo das relações e das fraquezas humanas pode ser ainda maior que uma entidade do mal.
E como a intenção é perturbar, o roteiro vai seguir alguns clichês para garantir que essa sensação de trauma - seja pelo cotidiano quanto pelo sobrenatural - permaneça no espectador após a sessão. As situações estranhas escalam até que algum personagem encontre respostas que expliquem todo enredo e o filme possa se dirigir para o clímax, onde os elementos incômodos ganham presença com o horror desvendado.
É preciso destacar o extraordinário trabalho do elenco principal. Collette enche o rosto de pavor para representar os traumas do que os eventos da história desencadeiam na personagem. Assim como Byrne expressa nas olhadas de lado o cuidado do pai que quer estimular a esposa a lidar com o luto, mas com cuidado pelo bem dos filhos. Shapiro está bem, mas o filho que rouba a cena é Wolff, que faz o horror de um adolescente em desespero soar sincero.
A inquietude da ambientação movimenta a curiosidade do espectador até o fim do filme, o que resolve o problema de ritmo do roteiro. Por precisar desenvolver muitas cenas em que poucas coisas realmente sobrenaturais acontecem, o ritmo da história demora a engrenar. No fim, quando tudo desenrola rapidamente, algumas coisas ficam em aberto e sem explicação. Apesar disso colaborar para o tom perturbador, faz parecer que faltam partes importantes para o todo.
Como um filme, parece inovador depois de uma ou duas décadas de filmes de terror baseados em sustos e casas com espíritos e demônios sem criatividade. Mas basta olhar para coisas como A Profecia, O Iluminado ou O Bebê de Rosemary para perceber que Aster apenas usa qualidades que o gênero jamais deveria ter perdido.
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O reinado da Pixar Studios, até hoje realizador de algumas das melhores animações da história dos Estados Unidos, é invejável. É difícil encontrar alguém que não reconhece o valor dos dez filmes iniciais da produtora. E agora, depois de tantos anos e tantas reciclagens de franquias, eles retomam o que talvez tenha sido um dos longas mais inteligentes, Os Incríveis.
Logo após os eventos do original, a família Pera, em que todos os membros têm super poderes, perde todos os benefícios do governo por ter usado as habilidades em público. Quando Winston Deavor (voz original de Bob Odenkirk) oferece a chance de mudar a opinião geral e iniciar uma campanha de marketing para permitir o retorno das ações de heróis, eles não titubeiam em aceitar.
Só por ter essa mistura de elementos políticos e éticos na história, já é possível notar que não é exatamente um filme infantil. Ainda que seja uma animação caricatural com muitos momentos voltados para as crianças, este Os Incríveis 2 (assim como o primeiro) dialoga com o adulto mais exigente, assim como com os menores.
Não é à toa que a iniciativa para a tal campanha precisa ser tomada justamente pela matriarca da família Pera, Helena (voz original da Holly Hunter). Com isso, ela sai para cumprir o trabalho tradicional deles, enquanto o pai, Beto (voz de Craig T. Nelson), tem que ficar em casa para cuidar das crianças. O que vai abrir espaço para reflexões sobre a inversão de papéis entre maridos e esposas na década de 1950.
Com isso, e muito mais, o diretor e roteirista Brad Bird (o mesmo do original) acerta ao destacar duas tramas paralelas para a família. Enquanto a Mulher Elástica (alter-ego de Helena) enfrenta o vilão Hipnótico, Beto tem que aprender a lidar com os filhos. E ambas histórias são envolventes e revelam lados diferentes da moeda.
Ele quer provar que não é inapto e que se importa com as crianças, enquanto ela dialoga com a irmã de Winston, Evelyn (voz de Catherine Keener) sobre os papéis das mulheres em uma sociedade machista durante a caça ao criminoso. E os dois enredos conduzem ao clímax final, quando o vilão não apenas funciona como inimigo físico, mas como consequências de um mundo com super-heróis reais.
O que faz com que as escolhas estéticas ressoem mais fortes. O universo da franquia Os Incríveis é embasado em um estilo de Art Déco, mas para objetos futuristas. O resultado é um mundo retro futurista, com visual que condiz com padrões das décadas de 1920 a 1950. Quando a grande maioria dos super-heróis foi inventada e quando surgiram os conflitos das mulheres que saíam de casa para trabalhar nos Estados Unidos.
Além de belo, o visual dialoga com a discussão proposta por Bird. E como ele usa um bom trabalho de fotografia, alinhado com a qualidade técnica da Pixar, o que se vê na tela é estonteante. Detalhes como cabelos, uma bola de gelo e até um brócolis parecem de verdade. O diretor faz com que a cor verde apareça em momentos de perigo, a vermelha represente os ambientes familiares.
Em certo momento, Winston conta sobre o passado dele e da irmã. A imagem dá um close no rosto do personagem com um fundo escuro, a câmera se move um pouco para a esquerda e aparecem os outros personagens em um reflexo. O espectador compreende que é um vidro. Quando ele volta a se animar, a câmera muda para um ângulo aberto é todo o ambiente estava claro o tempo inteiro, era apenas o lado de fora que não tinha iluminação, o que era determinante para encontrar com o humor de Winston.
A composição de Michael Giacchino também se adequa ao padrão estético. Com ritmos determinados por instrumentos de corda e melodia entoada pelos de sopro, ele remete a músicas que se assemelham muito a tramas de ação e espionagem típicas dos anos 1950 e 1960. Inclusive, em certo ponto, há uma homenagem ao desenho Johnny Quest, que retinha muitos detalhes dessa mesma estética para histórias de aventura.
Além disso, onde Bird realmente se destaca é no comando das cenas de ação. Logo na abertura, que retoma onde o primeiro filme parou, a família se mete em uma perseguição alucinante pela cidade. Com segurança, o diretor coloca as câmeras em pontos fixos dos prédios e das ruas, como se o espectador fosse um transeunte que assiste a destruição. Ainda assim, todos os enquadramentos dão os detalhes necessários para a compreensão do que ocorre espacialmente.
Enquanto tentam parar uma máquina de destruição descontrolada, os Pera se dividem entre enfrentar o equipamento gigante e garantir a segurança do bebê Zezé. O caçula dá o tom de diversão para a perseguição, ao mesmo tempo em que os obstáculos nunca param de desafiar as habilidades da família. Com ritmo rápido, as cenas de ação são divertidíssimas e envolventes.
De ruim, há apenas que falar da dublagem. Em vários momentos, algumas falas parecem estendidas, como se os dubladores alongassem um ou outra sílaba para conseguir encaixar essa ou aquela palavra em certa fala. Em um especialmente vergonhoso, a tradução faz referência ao Raul Gil e ao Acre.
Por outro lado, com a Mulher Elástica há mais criatividade. Com direito a um momento engrandecedor quando ela é chamada por outro mulher na rua de poderosa depois. Inclusive, ela com frequência é retratada ao lado de mulheres que a admiram e que demonstram querer crescer graças a ela. O que é relevante para o momento atual e é bem retratado com uma personagem complexa e bem trabalhada.
Helena é uma mãe antes de ser uma heroína e, apesar de querer manter a família em segurança, tem a noção de que permitir aos filhos colocarem os poderes à prova pode ser o melhor para eles. Há uma dualidade nos interesses dela. Ela quer se sentir forte e, de fato, parece ganhar um brilho quando está em ação. Mas também quer a calma e a segurança domiciliar. O que garante que o filme é mais dela dessa vez, que de Beto.
Por fim, Os Incríveis entrega mais do que o primeiro já havia concedido. Uma aventura envolvente, com um excelente ritmo, muitas risadas e ótimas cenas de ação. O fato de ainda refletir sobre relações familiares de maneira adulta ao mesmo tempo em que é capaz de manter os olhos das crianças grudados na tela demonstra o valor da Pixar, e de Bird, como realizadores interessados em contar boas histórias, divertidas e com algo a ser refletido.
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Sicario foi uma surpresa bem vinda em 2015. Apesar de pequenas incoerências no roteiro, a produção chocou todo mundo com a perfeição técnica utilizada para retratar o horror sobre o qual a sociedade é construída. Agora, o filme ganha uma continuação e a promessa de uma franquia. Mas será que vale a pena, uma vez que o primeiro era uma obra fechada dentro de si.
O roteirista original, Taylor Sheridan, retorna para a continuação e apresenta uma nova faceta do narcotráfico do México para os Estados Unidos. Porque o que mais dá dinheiro para os cartéis agora é a migração de pessoas, que fogem para a "terra das oportunidades". E a jornada de vingança de Alejandro (Benicio Del Toro) ganha novos contornos quando volta aos campos de batalha nesse novo conflito.
Depois que três terroristas ligados ao Estado Islâmico cometem um atentado em solo estadunidense, o governo passa a considerar os cartéis como terrorismo. Para isso, o agente Matt Graver (Josh Brolin) é chamado para coordenar uma guerra contra os traficantes. Ao notar a oportunidade de dar a Alejandro a vingança tão desejada, ele o reativa dentro do México.
Sheridan mantém a qualidade dos excelentes textos que escreveu nos quatro ótimos filmes que roteirizou até o momento. Neste Dia do Soldado, ele desenvolve a trama como um suspense com poucas explicações. O espectador tem que entender a história com base no que ocorre na tela, e não pelos detalhes ditos. Em certo ponto, Graver sugere sequestrar o filho de um líder do tráfico para iniciar uma guerra. Na próxima cena, a garota Isabel Reyes (Isabela Moner) é sequestrada por ele.
Em outro ponto, Alejandro fala que qualquer desculpa para foder com Carlos Reyes é uma boa desculpa. Só trinta minutos mais tarde é que alguém fala que ele é um pai em luto. Justamente quando ele é abandonado no deserto com a filha de Reyes. Todas as respostas estão na história, só é preciso ligar os pontos.
E é neste momento que o filme começa de verdade. Com a filha do homem que odeia, Alejandro - até então eficiente, frio e brutal - se vê forçado a questionar as motivações para a violência controlada que mostrava. Mas nada disso é óbvio no filme. Está escondido nas nuances.
Na fotografia, Alejandro sai das sombras quanto mais percebe que não está disposto a sacrificar a menina. Na direção de arte, ele perde roupas e estruturas de guerrilha para se parecer cada vez mais com um pai normal. Na atuação de Del Toro, porém, é onde há mais detalhes. A relação dele se fortalece com ela à medida em que ele muda a postura. Sempre preparado para a ação, o personagem se permite se curvar e baixar a cabeça.
Quando a situação fica tensa novamente, nota-se movimentos calculados, de quem analisa o momento e escolhe a reação mais segura. Brolin tem um personagem com o mesmo nível de complexidade. Indignado com as consequências do trabalho, é possível ver a vontade de se rebelar contra as ordens que recebe em rápidas olhadas para o lado do ator e pequenas contrações dos lábios.
O diretor da vez, Stefano Sollima, apresenta a mesma perfeição técnica do filme anterior. O uso das armas, dos veículos de batalha e até as poses de soldados são impecáveis. Desde os movimentos de Alejandro, Graver e os colegas em tiroteios, que parecem de especialistas reais, até a verossimilhança de corpos despedaçados ou de feridas abertas. É tudo parte do suspense que se constrói e da realidade dos cartéis que é jogada na tela.
Porém, ao transformar a trama em algo pessoal para Alejandro, Sollima e Sheridan perdem o foco dessa realidade. A discussão sobre as políticas estadunidenses para lidar com drogas e o crime ficam superficiais e não dialogam com a jornada pessoal do protagonista. Além disso, a trilha sonora opressora de Hildur Guðnadóttir apenas causa desconforto constante, sem pontuar os momentos em que o suspense deveria ser mais forte.
Sicario: Dia do Soldado não deixa aquele gosto ruim (proposital) do primeiro filme, mas funciona melhor como suspense de ação. Infelizmente, por Sheridan querer fazer uma trilogia, ele deixa pontas soltas na trama principal, de Alejandro. É quase uma sensação de ver uma obra incompleta, por mais que funcione e envolva por duas horas que passam rápidas. Em grande parte, pelo ótimo trabalho técnico da equipe e do elenco.
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Você sabe que filme é este Um Dia para Viver. O nome e uma imagem já dizem tudo. Uma produção rápida de ação feita unicamente como diversão passageira. O fato de que a divulgação deixa claro que é dos produtores de John Wick, com um diretor cuja carreira se resume a trabalhos como dublê e diretor de segunda unidade, apenas torna tudo mais óbvio.
Até a trama serve para isso. Depois de cometer um erro em uma missão, o assassino de aluguel Travis Conrad (Ethan Hawke) é morto com dois tiros no peito. Mas ele acorda em uma maca depois que um procedimento experimental é feito pelos contratantes dele. Agora, ele tem um cronometro na pele que indica 24 horas de vida. Com pouco tempo, é hora de buscar correção pelos erros que cometeu.
A intenção dos realizadores é tentar repetir o sucesso de John Wick com uma equipe técnica recheada de experiência em cenas de ação bem feitas. Basta buscar o histórico do diretor Brian Smrz, do compositor Tyler Bates, ou até das longas listas de diretores de segunda unidade e de especialistas em efeitos especiais. É um filme feito para ter cenas de ação que merecem ser vistas.
E é isso o que o espectador vai conseguir. Cenas de ação bem feitas com direito a muito tiroteio, perseguições de carro e violência verossímil. Para estabelecer as habilidades de Travis logo no início, o trio de roteiristas Zach Dean, Ron Mita e Jim McClain mostram como ele é capaz de enganar dois homens eficientes ao fingir que entrou em um banheiro e misturar dois produtos de limpeza.
Não é apenas músculo e tiro, mas estratégia. O que faz com que um ator como Hawke se encaixe bem no papel. Ele usa de olhadas rápidas para demonstrar que percebeu algo e agir, de forma que o espectador possa compreender uma ameaça junto com o personagem. Ao mesmo tempo, ele convence com os movimentos de uma pessoa com perícia em combate.
Neste sentido, Hawke está bem acompanhado por Qing Xu, que interpreta a agente da Interpol Lin Bisset, que conquista a empatia de Travis. Ela se movimenta com destreza nas cenas de ação. Infelizmente, em cenas como a que tem que flertar com alguém, ela parece olhar para um ponto na parede. Em contraste com Hawke, cujo personagem tem alucinações com a família morta devido ao procedimento que o mantém vivo. O ator carrega todo o peso necessário de uma pessoa culpada e magoada.
O que leva a algumas decisões de roteiro incomuns. A jornada de Travis para enfrentar os antigos contratantes é também uma redenção de um passado de violência. Ele precisa abraçar algo inerente a ele, que é a destruição, para fazer o correto. E em trocas rápidas com um dos vilões que era amigo dele, os dois compreendem os erros que cometeram e chegam a decisões finais muito corajosas para filmes de ação do tipo. A concepção é estranha, pois os diálogos ocorrem em meio a tiroteios violentíssimos e parecem fora de lugar, mas as escolhas são interessantes para o desenvolvimento de cada pessoa na história.
Sobre a violência em si, Smrz faz com que a câmera esteja afastada para que todas as manobras dos dublês possam ser vistas em um único enquadramento. Assim, quando alguém leva um golpe, cai no chão ou atira em vários inimigos, o espectador tem noção de onde tudo no espaço da cena está. Em uma certa perseguição, dois carros emparelham e Lin consegue atirar rapidamente em três inimigos. Todos os personagens são visíveis e os efeitos especiais fazem parecer que aquelas pessoas realmente estão em carros em alta velocidade.
Há várias cenas estranhas, como diálogos profundos fora de lugar ou interpretações fracas. Talvez a pior parte seja o exagero de ápices de ação no terceiro ato. Especialmente em uma cena vergonhosa com o Rutger Hauer que não acrescenta nada e não faz sentido no roteiro. É um desperdício de um excelente ator. No entanto, o filme funciona muito bem exatamente como ele se vende: ação rápida e bem feita.
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As cores nas roupas, os tecidos de veludo, as camisas abertas no peito com colares e os penteados não deixam de evidenciar. Paraíso Perdido é um filme brega. Ou pelo menos sobre a cultura famosa como brega para os brasileiros. Baseada em importações do tango e de outras características latinas, essa linha é conhecida pelo melodrama e pelas tais músicas de corno.
No filme, esse mundo é desbravado por Odair (Lee Taylor), um policial civil que é convidado para a boate Paraíso Perdido e, lá, é contratado para ser o segurança do travesti Imã (Jaloo), que frequentemente é alvo de violência. A família do patriarca José (Erasmo Carlos), que cuida do lugar, atrai Odair e, aos poucos, ele descobre que tem mais ligações com ela do que imaginava a princípio.
Tem-se aí todos os ingredientes para a breguice. Melodrama, gente sofrida, cores saturadas, roupas antiquadas e até o Erasmo Carlos. Alguns provavelmente já chegarão com armas levantadas, mas é preciso lembrar que não importa exatamente o estilo, mas como ele é utilizado. E a intenção aqui é ressaltar sentimentos de uma tragédia familiar no que é quase uma homenagem à cultura brega nacional.
Então há reviravoltas familiares das mais exuberantes. Uma mulher mata um namorado que a espancou. Outra fica surda e foge da família. Todos os homens traem e têm que sofrer para reconquistar os amores das vidas deles. São pessoas que amam profundamente, e que sofrem profundamente por causa desse amor.
E esses sentimentos somados dos segredos descobertos por Odair conduzem o espectador durante a história. É curioso ver onde os personagens se deixam levar pelas emoções. Às vezes é apenas sexo em nome do amor, sem pensar em como podem magoar alguém. Mas nesta história há quebras de barreiras.
Em certo ponto, uma personagem trai uma namorada. E o amante começa, aos poucos, a ser envolvido no relacionamento das duas. Apesar de questionar, ninguém julga. Eles apenas estão felizes por ter mais gente feliz. Mesmo quando há um ato que gere sofrimento do próximo, eles compreendem que não existe maldade, apenas sentimentos. É inocente até certo ponto, mas ninguém é mau ou bom. Apenas são pessoas.
Além disso, a roteirista e diretora Monique Gardenberg explora a próprias estética do brega para fazer a construção técnica da narrativa. Apesar das cores saturadas, a iluminação joga sombras em tudo. Em grande parte porque o universo dos personagens na boate Paraíso Perdido é quase um refúgio da vida real. Eles cantam, amam e se divertem, mas de dia entregam pizza, trabalham em salões de beleza e vivem no modo automático. Há algo escondido por trás da exuberância noturna.
Na saturação das cores, o verde apresenta o sofrimento belo enquanto o vermelho é a alegria intensa. Quando o azul é utilizado, é apenas para a tristeza pura. Não à toa, as tonalidades são apresentadas nas roupas, nos cenários e na fotografia, o que faz do filme ainda mais belo. Mesmo que Gardenberg não busque exuberância nos movimentos e nos enquadramentos.
Os atores estão ótimos, com destaque para Jaloo, que dá energia para Imã mesmo na tristeza dele. Ele sabe dos preconceitos e os aguenta de cabeça erguida porque sabe que é como travesti que é realmente feliz. Júlio Andrade, Hermila Guedes, Seu Jorge, Julia Konrad, Malu Galli e até a cantora Marjorie Estiano sustentam a qualidade dos personagens e das interpretações.
Quem fica de fora mesmo é Taylor. De todo o elenco, é o que fala com menos naturalidade, como se estivesse mais preocupado em enunciar as palavras em todas as sílabas que em atuar. O que, de certa forma, condiz com o personagem, que é o único que nunca se adequa à estética brega. Também o único que usa tons neutros.
O filme sofre também com a montagem, que erra em alguns cortes bruscos. No entanto, Gardenberg equilibra isso com o uso de sobreposição de músicas bregas nas cenas dramáticas. Como se as músicas contassem as histórias. Ou se o próprio filme fosse uma costura dos temas mais marcantes da estética.
Um filme que merece ser descoberto. Mesmo que use e explore a breguice, nunca se torna kitsch, o que apenas realça o merecimento da diretora. É uma ode a um traço da cultura brasileira que deveria ser mais valorizada. Se dependesse de Monique, como ocorre nesse filme, estaria muito vivo.
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Vinícius Brandão é autor do site Aquela Velha Onda e novo parceiro da Se7e Cultura. Confira aqui a programação dos cinemas. Acesse aqui a programação dos cinemas.

A história já é famosa. Coisas como Star Wars e Indiana Jones foram criadas por George Lucas com base em séries cinematográficas feitas para o cinema na década de 1930. As chamadas aventuras pulp viraram franquias maiores que a vida nas décadas de 1970 e 1980. Agora, elas são exploradas ao máximo em busca de mais sucesso comercial.
É possível reinventar para discussões atuais como em Rogue One ou Os Últimos Jedi, assim como buscar características clássicas que funcionavam antes como em O Despertar da Força ou este Han Solo: Uma História Star Wars. Aqui, a ideia explora basicamente a imagem de um dos personagens mais queridos da franquia estelar.
A sugestão do filme veio de um dos melhores roteiristas do personagem, Lawrence Kasdan, convidado pela Disney para escrever e produzir a história que ele quisesse no universo. Ele não pensou duas vezes. Han Solo (Alden Ehrenreich) seria a estrela, anos antes de cruzar caminhos com a família Skywalker.
O que gera um problemão em termos de conteúdo a ser buscado. Porque há muita coisa do passado de Solo a ser contada, como a infame corrida finalizada em 12 parsecs, ou como ele se tornou amigo de Chewbacca ao libertá-lo da escravidão. Eis a armadilha: como costurar uma história decente entre esses momentos sem fazer com que eles soem falsos ou forçados?
Felizmente, foi Kasdan quem assumiu a tarefa. Talvez uma das pessoas que melhor compreendem Han Solo, o roteirista, em parceria com o filho Jonathan, faz uma elegante aventura de assalto que dá todas as desculpas necessárias para os momentos icônicos sem perder a personalidade do protagonista.
E aventura é a palavra certa aqui. De acordo com as regras principais dos filmes pulp do passado, Kasdan cria perigos para os personagens que refletem os conflitos pessoais deles, ao mesmo tempo em que a cada risco colocado em cena escala para algo maior consecutivamente. O que faz com que a tensão aumente e o desenvolvimento de história não pare.
Ainda mais com o trabalho técnico eficiente de pessoas como o diretor de fotografia Bradford Young, que usa de contraluzes para criar sombras nos atores em imagens belíssimas. Também ajuda o excelente design de produção de Neil Lamont, que recria estilos em cenários e figurinos. Basta olhar as formas geométricas nas partes em que o Império aparece, ou a maquiagem e vestimenta de Lando Calrissian (Donald Glover), que remete ao estilo do personagem.
O resultado é um filme lindo de se ver que não escapa da estética Star Wars. Porém, são o diretor Ron Howard e o montador Pietro Scalia os responsáveis pelos problemas de ritmo do filme. De nada adianta beleza quando a trama começa corrida entre cenas de ação que correm das origens de escravidão de Solo até a entrada no mundo de crime e contrabando.
O espectador se adequa ao ritmo aos poucos graças ao roteiro com bons diálogos e bons personagens, ao ótimo trabalho técnico na filmagem e ao bom elenco. Ainda mais quando a história realmente começa, com cerca de 30 minutos de duração. Mas Howard parece ter esquecido de filmar imagens de contextualização aqui e ali, o que sempre incomoda nos inícios de todas as cenas.
O que se encontra com este filme é justamente o que se via em Star Wars antigamente. Uma aventura divertida e rápida. Infelizmente com problemas de condução devido a um diretor que nunca foi realmente muito bom. Ainda é uma produção envolvente e que trata os personagens de forma decente.
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Este Somente o Mar Sabe parece um filme perdido. Do diretor de um dos queridinhos do Oscar de alguns anos atrás, com uma história trágica real e um elenco extraordinário, era de se esperar uma produção badalada. Porém, basta perceber que o tal diretor é James Marsh, o ser humano que cometeu A Teoria de Tudo, para entender como a obra entra discretamente em cartaz no circuito nacional.
Ele conta a história de Donald Crowhurst (Colin Firth), um velejador amador que participou de uma corrida ao redor do mundo em 1964 com um barco não terminado e cheio de problemas. Como ele colocou a casa em risco caso não terminasse o trajeto e não tem condições de fazer parte do percurso, ele passa a mentir sobre as posições em alto mar para garantir a renda da família que construiu com a esposa Clare (Rachel Weisz).
Essa premissa deixa óbvio duas coisas. Primeiro que se trata de um drama trágico, com grande potencial para emocionar e levar os públicos às lágrimas. Mas mais importante, que só há três finais possíveis para as mentiras de Donald. E isso já era notável desde o material de divulgação.
É também o maior problema do filme de Marsh. Ele não tem muito a mostrar em tela para enrolar até a conclusão, que é telegrafada com mais de uma hora de projeção antes de acontecer. Desde a cena em que Donald se veste para embarcar no trimarã, que já revela que o homem sabia que não tinha como cumprir o que prometeu, até pequenas cenas em alto mar onde o diretor tenta fazer metáforas sobre o que vai acontecer.
Donald vê cavalos mortos na água, corta uma corda feita para que ele não se perca do barco caso caia dele, e joga um peixe que morreu no mar. É apenas repetição de uma mesma ideia, o que faz com que o ritmo seja cansativo e revela o fim antes da hora. E não ajuda a construção que Marsh e o roteirista Scott Z. Burns fazem das motivações do protagonista.
À princípio, ele quer fazer algo que dê valor à vida dele. É compreensível, ainda mais em uma cena belíssima em que ele se abre para a esposa sobre nunca ter realizado nada. O problema é que, assim que ele coloca a casa em jogo, a motivação dele se torna egoísta e faz com que ele perca a empatia do espectador. O que também faz com que não haja lágrimas pelo sofrimento dele até o fim da história.
Marsh dirige com baixa tonalidade na fotografia e um granulado forte para dar uma sensação de película de super 8. O que funciona bem na excelente construção de época da direção de arte que acerta nos cabelos e nas roupas dos personagens. Mas o verdadeiro trunfo está nos dois atores principais.
Firth consegue exprimir emoções e sentimentos mesmo em cenas tão paradas e mal construídas, que é possível sentir o sofrimento de Crowhurst no desenrolar. Já Weisz esconde em olhares rápidos para baixo que a esposa quer o marido de volta mesmo quando precisa ajuda a promover a tentativa dele de dar a volta ao mundo.
Outro crítico se abriu ao fim da sessão para falar que pelo menos é melhor que A Teoria de Tudo. O porém é que isso não quer dizer muita coisa uma vez que aquele é uma produção tão ruim. Este pelo menos conta com um espetáculo de interpretações, ao contrário daquele.
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Ao descobrir que este Ella & John trata sobre um casal idoso com doenças terminais, o que veio à mente foi a ideia daqueles melodramas sobre os últimos dias dessa ou daquela pessoa. Porém, a produção acerta justamente por ser um road movie que busca celebrar e relembrar uma vida bem vivida, do que chorar o fim dela.
É justamente por isso que Ella (Helen Mirren) foge com o marido que sofre do mal de Alzheimer, John (Donald Sutherland), no trailer da família para cruzar os Estados Unidos em uma viagem que faziam quando eram mais novos com os filhos. Os dois começam a jornada justamente no dia em que ela deveria iniciar o tratamento para o câncer de cólon, que se espalhou pelo corpo.
Como a degeneração intelectual de John se apresenta com maior frequência no comportamento do personagem, é justamente a condição que se destaca no roteiro. E também é a desculpa ideal para que os dois revivam momentos diferentes da vida como casal na estrada.
É assim que o diretor Paolo Virzì, em parceria com outros três roteirista, desenvolve cenas que explicam a história sem que nenhum dos personagens precise explicar. Então o espectador compreende que John era um professor de literatura quando ele reconhece uma ex-aluna no meio do caminho, e deixa Ella atônita por reconhecer uma estranha mesmo quando a doença o impede de reconhecer os filhos e os netos.
Da mesma forma, esses pequenos momentos são divertidos devido a irreverência. É divertido ver Ella pegar carona em uma moto porque o marido a esqueceu na estrada em uma parada enquanto ela fazia compras. A situação também é o gatilho para um acesso de ciúmes dele, que remete a uma das tramas do passado que os dois precisam resolver na viagem.
Esse texto divertido e reflexivo ganha ainda mais com a dupla de atores. Além do carinho demonstrado por Ella ao cuidar do marido sempre que ele tem algum tipo de crise, Helen Mirren olha para Sutherland com ternura misturada com tristeza. Ela o ama profundamente e faria tudo por ele, mas sente falta do companheiro com quem se casou.
Enquanto isso, Sutherland não segue pelo caminho comum do retrato do Alzheimer ao evitar dar para John uma sobrecarga de desespero pela perda do homem intelectual que um dia foi. Muito pelo contrário, ele faz com que o senhor aproveite cada momento que revive do passado com jovialidade. Em certo ponto, não reconhece a mulher por achar que estão na juventude. Ao invés de estar assustado, ele demonstra toda a simpatia possível.
Mesmo quando ela não consegue se segurar e reclama porque ele roubou o marido dela, ele reconhece com um suspiro rápido que a doença também o roubou dele. É fundamental para que o filme não siga para o caminho do melodrama fácil que quer fazer o espectador chorar a qualquer custo.
Por outro lado, Virzì não sabe comandar as cenas com o pensamento na montagem. Muitos dos cortes quebram a lógica espacial e, em diversos momentos, é possível notar que a expressão de um outro personagem não é a mesma em ângulos diferentes. Sem contar que diversas cenas parecem cortadas no meio de diálogos importantes ou começam da mesma forma, sem nenhuma preocupação com ambientação.
No entanto, ele conduz bem cada cena para dar destaque às excelentes interpretações de Mirren e Sutherland e para criar uma sensação de naturalidade. Como se a câmera apenas assistisse afastada a vida desses dois se desenrolar, ele deixa espaço nas cenas para conseguir capturar todas as atuações.
O resultado é um filme que mistura os sentimentos que quer passar com naturalidade. É triste, belo e divertido ao mesmo tempo. Uma combinação que não é fácil de atingir em nenhuma arte. Infelizmente, aqui é conseguido apenas com o texto e com os atores. Seria mais impactante com uma direção mais expressiva, o que não impede a produção de ser maravilhosa.
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Não é incomum que pessoas falem sobre o quanto ficaram chocadas que alguns relacionamentos duraram tanto tempo. A verdade cruel é que existem pessoas capazes de fazer coisas terríveis para companheiros e parceiros. Pior ainda, os abusados conseguem resistir às agressões por muito tempo. Apenas por abordar esses temas, este Por Trás dos Seus Olhos já se torna extremamente relevante.
O casal da produção é Gina (Blake Lively) e James (Jason Clarke). Grande parte da vida dos dois é determinada pela dependência dela por ele, uma vez que ela é cega do olho esquerdo e tem uma visão extremamente limitada no direito. Até que ela faz uma cirurgia que permite voltar a enxergar. Sem todas as restrições, a mulher começa a descobrir um novo mundo que talvez não envolva o marido.
Aqui, tudo serve a esse questionamento. Será que os dois são felizes por serem compatíveis, ou por que a condição de Gina a força a depender de James? E se não forem mais capazes de ser felizes juntos, o que será de ambos. Pois Gina, ao começar a enxergar, também passa a descobrir novidades inesperadas sobre a própria personalidade.
Entra em cena o talento do diretor Marc Foster, que usa e abusa de sobreposições de imagens para retratar as sensações da personagem. Quando o casal transa, ela está completamente voltada para o tato, então imagina como se centenas de corpos nus se entrecruzassem com as sensações. Ao tomar banho, por não ter compreensão do espaço além do chuveiro, é como se ela existisse em um infinito de gotas que caem. E o cheiro do vapor também cobre toda a noção que ela tem dos arredores. Tudo isso é retratado em imagens na tela.
Quando Gina volta a enxergar aos poucos, um filtro na câmera consegue até dar a estética de cílios quando olhos se abrem contra a luz. É um cuidado técnico impressionante de Foster, que apenas reforça o sensorial da narrativa, importantíssimo porque o roteiro, escrito por ele em parceira com Sean Conway, não faz questão de detalhar os porquês do enredo.
Muito pelo contrário, o espectador tem que juntar as peças de pequenas pistas tanto do visual, quanto dos acontecimentos. Só se sabe que certos personagens são a irmã e o cunhado da protagonista quando as duas falam sobre a perda dos pais na juventude. Deixar por conta do público compreender o filme aos poucos também reforça uma sensação incômoda.
Fica claro rapidamente que Gina, ao voltar a enxergar, não acha o esposo tão belo quando imaginava. Assim como percebe que a visão permite ter controle em diversas situações, como sexo, saídas de noite, vestimentas, visuais e até interação com pessoas. A insegurança que surge em James, um homem contido e introvertido, e o descontentamento dela, muito mais segura e desapegada, gera um desconforto que se sustenta por toda a projeção. E vai conduzir a um fim em que os dois precisam mentir.
Para isso, Foster também aproveita da fotografia, com cores douradas quando o casal está confortável. Quanto mais a situação se agrava, mais as sombras tomam os espaços que eles dividem. O mergulho de Gina nas novas descobertas da visão é marcado com tons quentes, como o vermelho. Enquanto a insegurança de James é marcada pelo frio do verde que o cerca. Até o clímax, quando a tela separa as duas cores com os personagens afastados.
Até os figurinos refletem isso. James e Gina tendem a usar roupas com tons pastéis no início. À medida que ela toma o controle, mais as curvas do corpo se destacam, assim como cores escuras, que retratam as dúvidas que o homem tem sobre o que ela pensa. Mesmo a escolha dos atores realça isso, porque Clarke não corresponde a quase nenhum padrão comum de beleza, enquanto Lively, a irmã e o cunhado têm corpos definidos.
No entanto, o casal de atores sustenta a produção além do visual. Um dos problemas do roteiro é que os contrastes dos personagens são bruscos. Eles não têm compatibilidade nenhuma. São os dois que vendem os sentimentos além do texto. Ainda assim, quando James precisa se sentir vulnerável, e eventualmente passar para o comportamento passivo-agressivo, é possível ver tanto a vulnerabilidade, quanto a decisão no olhar dele.
Lively faz o mesmo ao mostrar a vontade de Gina de crescer além do mundo do marido e a resistência para manter o amor e tudo o que os dois construíram juntos. Não fosse a falta de ambientação do roteiro para o amor do casal, e uma necessidade de Foster de se perder em metáforas - como em uma cena em que uma criança encontra uma vaca morta - Por Trás dos Seus Olhos seria uma obra ainda melhor. O que não impede de ser uma experiência interessante para discutir algo sob uma nova perspectiva.
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Quando o primeiro Círculo de Fogo foi lançado em 2013, a discussão eterna sobre trama simples como defeito voltou à tona. Cinco anos depois, com a continuação, fica óbvio que mesmo produções voltadas para o entretenimento precisam de qualidade em roteiros e direção.
Dez anos após os pilotos de jaegers - robôs gigantes pilotados por duas pessoas via conexão neural - pararem uma invasão de kaijus - monstros gigantes - de outra dimensão, Jake Pentecost (John Boyega) é forçado a voltar para o programa para treinar uma turma de cadetes quando uma tecnologia de drones surge para substituir as máquinas de combate.
Uma coincidência já dá as caras quando a principal motivação para a pancadaria ocorre. No período de seis meses que Jake tem que esperar no quartel, um robô pirata aparece e começa ataques misteriosos. É apenas a primeira de muitas, que conduzem a trama cheia de reviravoltas e surpresas até o clímax e o retorno dos kaijus.
O mistério a ser desvendado e a forma como ele desenvolve os contextos de ficção científica do filme original não só é interessante, como envolvente. Desde a descoberta de quem são os responsáveis quanto as motivações estão relacionadas com um aprofundamento da proposta científica de conexão cerebral.
Porém, os excelentes personagens do original saem de cena para dar lugar para um novo grupo de protagonistas. Inclusive um filho aleatório do coronel Pentecost (que já tinha conflitos familiares muito bem resolvidos no anterior). Não há explicação para saída de ninguém e o novo time não tem conflitos ou desenvolvimento de personagem.
Jake e Nate (Scott Eastwood) têm um passado turbulento e disputam a atenção da mesma mulher. Nenhuma das duas histórias tem conclusão. Da mesma forma, o diretor Steven S. DeKnight (um dos quatro culpados pelo roteiro) não constrói a ambientação das cenas. Em certo momento, é falado que o protagonista tem que voltar para os robôs para ajudar a irmã. Com um corte tem um robô pousando na China e uma pancadaria aleatória com direito a explosão de helicópteros.
No entanto, DeKnight mantém o estilo de filmagem com as câmeras em locais que condizem com o tamanho de pessoas normais, o que engrandece os robôs e os monstros. E não é preciso dizer que ver esses confrontos com alguma verossimilhança resulta em cenas de ação divertidas. Mas sem interesse nos personagens, não há tensão pelas vidas deles e, portanto, não há envolvimento com os conflitos.
Montado a seis mãos, o filme tem cortes desastrosos. Em parte devido à necessidade do diretor de simular planos sem cortes que passam do close em pessoas no chão para tomadas aéreas grandiosas. A lente não condiz entre os ângulos e a transição fica visualmente falsa, o que retira o espectador da experiência.
O resultado é uma cópia genérica de uma obra-prima do espetáculo de entretenimento. Se não fosse continuação dessa mesma obra, não seria necessário comparar os dois filmes diretamente. Como duplicação, consegue ser levemente divertido. Como parte da franquia Círculo de Fogo, chega a ser triste.
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Qualquer pessoa que acompanha política no mundo sabe que os temas de imigração e de pessoas que são contra diferenças estão em voga em todo o planeta. Noticiários de todos os países falam sobre crises de refugiados e sobre movimentos radicais como neonazismo, os dois focos deste Em Pedaços. Produção alemã que discute os males da violência com base em idealismo.
Quem mais vive essas consequências é a protagonista Katja Sekerci (Diane Kruger), uma alemã que teve o marido turco e o filho Rocco mortos em um atentado neonazista. Ela tem que lidar com as diferenças culturais entre as duas famílias, os problemas do passado de traficante do esposo e o ódio contra as pessoas que assassinaram a família dela.
Entre os conflitos dela, o diretor e roteirista Fatih Akin, em uma adaptação de livro de Hark Bohm, em três atos. Primeiro, do atentado à prisão dos dois assassinos, depois do julgamento e, por fim, da busca dela por vingança. São praticamente três curtas com começo, meio e fim que se completam em uma história maior.
A divisão em si não causa problema. Ainda mais com a sensação de continuidade de uma investigação policial para um julgamento. No terceiro ato, porém, a força da história se perde. Enquanto antes era sobre uma mulher, as famílias envolvidas e preconceitos, no fim passa a ser sobre sentidos torpes de justiça.
O que é uma pena. Especialmente por se tratar de um filme muito bem dirigido e bem escrito. Akin mistura vários takes longos com câmera de mão para dar uma noção de verossimilhança que tornam tanto o atentado quanto o sofrimento de Katja mais crus e pesados para o espectador.
Diálogos não expõem nada. O espectador descobre que a protagonista perdeu as esperanças em certo ponto quando ela toma uma atitude drástica. Depois, quando a vontade de viver é retomada, ela volta a pentear um dos lados do cabelo para trás, como fazia com a família viva. A história é contada por detalhes do texto e da parte técnica.
Outro destaque é a ótima interpretação de Kruger, que normalmente passa desapercebida nos poucos filmes hollywoodianos dos quais fez parte. Ela se entrega a essa dor silenciosa de Katja, que pode explodir a qualquer momento quando alguém faz um comentário maldoso sobre as origens do marido, ou quando é forçada a encarar a principal suspeita sem que esta demonstre o menor remorso.
Como uma produção que tem muito a dizer, Em Pedaços peca pelo peso no drama pessoal e em não dar destaque aos temas políticos. Mesmo que um título sobre as discussões apareça na tela antes dos créditos finais, eles não condizem com o fim da história contada. Não fosse o terceiro ato inconsistente, poderia ser um grande melodrama.
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A icônica Lara Croft é uma personagem de história confusa. Criada em uma época em que estilo importava mais que conteúdo, ela recebeu inúmeras reinvenções através dos anos. A mais bem sucedida foi com o game Tomb Raider de 2013, que voltava para o início da vida adulta da heroína com doses pesadas de "realismo" condizente com os tempos atuais. Não é à toa que o jogo foi a base para a nova reinvenção da arqueóloga nos cinemas.
Assim como na versão digital, Lara (Alicia Vikander) navega rumo ao mar do diabo em busca de uma ilha japonesa e descobre um grupo de homens liderados por Mathias Vogel (Walton Goggins) que procura pelos poderes sobrenaturais da rainha Himiko, enterrada no local. Aqui, no entanto, ela quer encontrar o pai Richard (Dominic West) desaparecido há sete anos.
Premissa simples, mas cheia do material necessário para preencher a tela por duas horas com aventuras pulp tornadas populares com os filmes do Indiana Jones (a personagem foi criada com base no aventureiro). Os roteiristas Alastair Siddons e Geneva Robertson-Dworet se inspiram no jogo em diversos níveis. Desde detalhes como os nomes do barco, do vilão e da rainha japonesa, até a abordagem realista sobre a personalidade de Lara.
O que carrega para a adaptação conceitos interessantes. Afinal, Lara foi criada como uma mulher sem personalidade além de ser uma mulher de roupas curtas e cheia de atitude que gosta de desenterrar tesouros para enfeitar a casa. O que levaria uma pessoa normal a sair por aí com armas contra empresas do mal para resgatar peças preciosas?
A resposta do jogo é: muitos traumas físicos, emocionais e mentais, além de uma dose cavalar de violência. Neste filme, porém, parece que os realizadores esqueceram da pergunta inicial. A Lara interpretada por Vikander é jogada no meio de uma corrida para um tesouro e não quer nada além de encontrar o pai. No fim do filme, ela decide abraçar a herança dele, o que a levará a outras aventuras futuras, caso a produção vá bem nas bilheterias.
Não há essa construção da personagem clássica, o que não é necessariamente um problema. Ainda há um desenvolvimento de Lara, mesmo que mais superficial. Os roteiristas aproveitam para tratar da vida da personagem antes da ilha com boas soluções. Ela pratica jiu-jitsu em uma academia e, no fim da aula, o professor pede para ela não voltar enquanto não fizer os pagamentos atrasados.
Assim, o espectador sabe das condições financeiras sem que alguém precise dizer algo estúpido como: "Lara, você sabe que não paga a academia há meses." Se ela sabe, por que ele diria, certo? É expositivo sem tratar o espectador com um idiota. Por outro lado, logo em seguida, ela se mete em uma corrida arriscada e ilegal para receber dinheiro. Ela aceita tudo com um sorriso debochado no rosto para que a sequência de ação em seguida seja conduzida por um tema de rock genérico. É tão forçado na forma de fazer com que ela seja divertida com o estilo maneiro que é ingênuo e falso.
Pequenos problemas do tipo se repetem em cenas de ação estranhas, nas quais parece que o diretor Roar Uthaug esqueceu de filmar um ou outro enquadramento importantíssimo para criar noção espacial para o espectador. Em certo ponto, Lara se esconde de um assassino em uma tumba. De repente a câmera treme, a personagem grita e tudo fica impossível de compreender. Apenas quando a ação acabou que a cena muda para um ângulo afastado que esclarece o que aconteceu.